A presidente Dilma Rousseff disse em entrevista exclusiva à BBC que seu vice, Michel Temer, não tem voto nem popularidade, e que o impeachment que está sendo processado contra ela visa levar pessoas sem legitimidade ao poder.
Em entrevista ao correspondente da BBC Wyre Davies, a petista voltou a afirmar que está sofrendo um golpe, nesse caso um golpe parlamentar em vez de militar, mas que igualmente usurpa o poder no Brasil.
“O que acontece num golpe parlamentar? Na prática, geralmente, (são feitos por) aqueles que não têm votos suficientes e, portanto, legitimidade suficiente, nem aprovação, nem popularidade suficientes”, afirmou.
Sobre um cenário cada vez mais provável de afastamento, a presidente disse que continuará lutando para voltar ao governo.
“O que nós iremos fazer é resistir, resistir e resistir. E lutar para quê? Para ganhar (o julgamento) no mérito e retornar ao governo”, disse, acrescentando que não pretende renunciar.
“Eu não temo porque eu não devo nada. E por isso eu sou extremamente incômoda, porque eu sou uma pessoa que seria melhor que renunciasse. Porque, se eu renuncio, a prova viva de que há um golpe, de que foi cometida uma injustiça, de que tem uma pessoa que está sendo vítima porque é inocente, desaparece. Não contem com isso porque eu não vou renunciar”, disse.
Questionada se o avanço do processo de impeachment se devia à sua baixa popularidade e à fraca articulação política no Congresso, a presidente respondeu que falta de apoio popular não serve para justificar a queda do governo no regime presidencialista.
Dilma foi denunciada por supostas operações fiscais ilegais de seu governo para manter gastos elevados em meio à perda de arrecadação, melhorando artificialmente as contas públicas. Sua defesa afirma que os procedimentos foram legais e não configuram crime de responsabilidade.
“Porque se a questão fosse popularidade, o vice-presidente tem menos aprovação do que eu. Quem não tem voto suficiente, porque jamais foi eleito numa eleição majoritária, não teve 54 milhões de votos, o que fazem? Criam essa roupa de impeachment. Na verdade essa roupa é um disfarce para uma eleição indireta em que o Parlamento passa a indicar o presidente, e não o voto direto e secreto das urnas”, criticou.
Segundo pesquisa do Instituto Datafolha realizada em fevereiro sobre quais seriam personalidades mais confiáveis, Dilma e Temer ficam na lanterna do ranking, com notas quase idênticas, à frente apenas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O ranking, que lista 12 pessoas do mundo político e jurídico, é liderado pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa.
Já pesquisa de intenção de votos para eleição presidencial realizada pelo Datafolha em abril com diversos cenários de candidatos aponta que Temer receberia apoio de, no máximo, 2% dos eleitores. O vice tem afirmado que não pretende concorrer à reeleição caso vire presidente após o eventual impeachment de Dilma. O mesmo Datafolha aponta em pesquisa divulgada em 11 de abril que a reprovação ao governo Dilma teve uma ligeira redução, alcançando 63%, contra 69% registrados na pesquisa anterior.
A expectativa é de que a presidente seja afastada na próxima semana, quando o Senado deve autorizar a abertura de um processo contra ela. Se isso ocorrer, Temer assumirá o comando do país interinamente – ele depois poderá ser efetivado no cargo, caso Dilma seja condenada.
Ao comentar a possibilidade de não ser presidente durante as Olimpíadas, que ocorrem em agosto no Rio de Janeiro, Dilma disse que Temer “usurpa seu cargo”.
“Não há certeza se eu comparecerei como presidenta ou não, mas o mero temor de não ser eu, ser uma pessoa que usurpa o meu lugar, é que dá essa sensação de tristeza e injustiça”, lamentou.
À BBC, a presidente também voltou a dizer que não teme investigações. Nesta terça, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF autorização para abrir inquérito contra Dilma, com objetivo de apurar se a petista atuou para obstruir a Justiça em favor do ex-presidente Lula e outros investigados na Operação Lava Jato.
“Eu aceito qualquer forma de investigação porque tenho certeza que sou inocente. Então, não será por conta de investigação (que não voltarei à Presidência). Não há o menor problema. A mim, podem investigar”, afirmou.
A presidente concedeu entrevista de pouco mais de 30 minutos à BBC na tarde de quarta-feira, em uma das salas do Palácio do Planalto. Assim que ela chegou ao local, o ambiente foi invadido por uma música em protesto contra seu governo vinda da Praça dos Três Poderes. Como quem já está acostumada com tal manifestação, Dilma não esboçou grandes reações.
Apenas franziu um pouco a testa e perguntou: “é um carro de som?” Um assessor prontamente respondeu: “Sim, está passando, já está indo embora”.
Ao final da entrevista, devido a uma falha no equipamento de tradução simultânea, Dilma, que entende bem inglês, respondeu a duas perguntas sem auxílio de intérprete.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News – Como foi a chegada da tocha Olímpica no Brasil? Deve ter sido um momento agridoce, porque a senhora apoiou realização das Olimpíadas no Rio, mas agora a probabilidade é de que não vá ter um papel oficial nos Jogos e o homem que a senhora descreve como um traidor, seu vice-presidente, tomará seu lugar.
Presidente Dilma Rouseff – Olha, acho que você definiu com muita precisão. Foi algo ao mesmo tempo alegre e triste, ao mesmo tempo agridoce. Primeiro porque a chegada da tocha dava uma grande sensação de conquista e vitória, porque nós, desde o momento em que foi decidido que as Olimpíadas e as Paraolimpíadas seriam no Brasil, nós tomamos uma séria de providências, trabalhamos duro.
Aí, a tocha chega. A tocha, de uma certa forma, sintetiza toda essa luta, todo esse esforço, e ao mesmo tempo uma certa tristeza porque eu estou ameaçada de não comparecer como presidenta nos Jogos Olímpicos que eu construí e que venho construindo desde o governo de presidente Lula. Então, não há certeza se eu comparecerei como presidenta ou não, mas o mero temor de não ser eu, ser uma pessoa que usurpa o meu lugar, é que dá essa sensação de tristeza e injustiça.
BBC – A senhora constantemente afirma que o processo de impeachment que enfrenta é uma cortina de fumaça, sem qualquer relação com a denúncia oficial de que seu governo teria tomado empréstimos ilegalmente (de bancos públicos) para tapar o buraco do Orçamento. Mas a senhora teria chegado a essa situação se tivesse sido uma melhor negociadora política, construindo alianças? Seus índices de avaliação estão em níveis recordes de baixa e as pessoas perderam a confiança na sua habilidade de governar. Não é disso que se trata?
Dilma – Olha, eu acredito que alguns pontos têm que ficar claros para pode responder a sua pergunta. Primeiro, nós não temos um regime parlamentarista. O presidente não é como o primeiro-ministro. Nós somos chefes de Estado e de governo. No entanto, um presidente, em um regime presidencialista, não pode dissolver o Congresso e convocar eleições gerais. De outro lado, o Congresso também não pode alegar desconfiança a respeito do chefe de Estado e de governo e exigir novas eleições. No Brasil, só se tiver um fundamento, uma denúncia forte, uma base jurídica, você pode afastar o presidente.
O que vem acontecendo na América Latina e não só no Brasil? Vem ocorrendo a substituição de golpes militares, das décadas de 60 e 70, por golpes parlamentares. O que acontece num golpe parlamentar? Na prática, geralmente, (são feitos por) aqueles que não têm votos suficientes e, portanto, legitimidade suficiente, nem aprovação, nem popularidade suficientes.
Porque se a questão fosse popularidade, o vice-presidente tem menos aprovação do que eu. Quem não tem voto suficiente, porque jamais foi eleito numa eleição majoritária, não teve 54 milhões de votos, que que fazem? Criam essa roupa de impeachment. Na verdade essa roupa é um disfarce para uma eleição indireta em que o Parlamento passa a indicar o presidente, e não o voto direto e secreto das urnas.
BBC – Muitas pessoas concordam com essa visão, mas a senhora não estaria nessa posição se tivesse feito as alianças no Congresso que seu predecessor fez e que são essenciais no modo brasileiro de fazer política, por causa dos diversos partidos. E por conta da sua impopularidade a senhora se encontra nessa posição agora.
Dilma – Veja bem, o Brasil hoje passa por uma situação que todos os países desenvolvidos passaram. No caso dos países presidencialistas, mesmo ao enfrentar uma crise, e o presidente tomar medidas impopulares, não passa pela cabeça de ninguém pedir a saída de presidentes da República que hoje, você sabe, têm uma popularidade bastante baixa. Então, há um problema estrutural no presidencialismo de coalizão brasileiro. Ele não suporta crise. Diante da crise, busca-se soluções rápidas. E não existe solução rápida para a crise. A solução de qualquer país diante da crise é dolorosa. Nós ainda temos o compromisso de fazer o ajuste preservando nossos programas sociais.
Qual é o problema também do sistema político brasileiro? O Brasil tem hoje 27 partidos (atualmente, existem 35 siglas, sendo 26 com representatividade no Congresso). Nenhum partido, ou três partidos ou quatro, dão a maioria parlamentar necessária para a governabilidade. Quando começa a expansão do ciclo econômico, não havia partido que desafiasse a popularidade do presidente Lula. Eu já vivo num momento em que o mundo entrou em crise. O mundo entrou em crise no final de 2009, acentuou-se em 2010, 2011 e a partir daí começa o efeito da crise sobre todos os emergentes, em especial os grandes. Ora, eu passo a precisar de 13 partidos, às vezes 14.
E um outro problema nos partidos do Brasil, você não tem partidos políticos, com exceção de uns três ou quatro, que são ideológicos. Os outros partidos formam-se através de agregação dos interesses mais diversos. Então eles tendem a se dividir diante de fatos concretos.
BBC – Outra questão da política Brasileira é a corrupção. Muitas pessoas concordam com sua defesa de que a senhora não se beneficiou pessoalmente de qualquer corrupção, mas a senhora era presidente do conselho da Petrobras (no governo Lula). Muitos acham difícil de acreditar que não sabia o que estava acontecendo no seu partido e nas maiores empresas brasileiras. A senhora realmente não sabia?
Dilma – Veja bem, primeiro eu não concordo que o Brasil seja diferente dos outros países no que se refere à existência de corrupção. Eu acho que o que havia no Brasil era um baixo combate à corrupção. E o que aconteceu, tanto no governo do presidente Lula como no meu, foi que nós aumentamos o grau de eficácia do combate à corrupção, melhorando os instrumentos.
Agora, eu queria te perguntar uma coisa. Tem um processo mais corrupto do que a crise financeira de 2008/2009? Se a pergunta vale para mim, algum presidente, primeiro-ministro, ignorava a existência da bolha? A existência de instrumentos financeiros que são fundamentalmente formas corrompidas de usar o sistema financeiro para prover rendas indevidas, à custa da sociedade?
Eu acredito que ninguém conhece em profundidade a complexidade de certos processos. É intrínseco aos processos de corrupção se esconder por baixo de estruturas e de práticas aparentemente corretas. Elas têm que ser investigadas. Nós conseguimos descobrir e evidenciar esses processos utilizando investigações e mecanismos que só existiram a partir do meu governo. Exemplo: a lei de combate às organizações criminosas, que pune tanto o corrupto quanto o corruptor. Porque no Brasil, só se punia o agente corrompido. A empresa que corrompia não era punida. A partir de 2013 essa lei altera isso. Altera também e cria o instituto da delação premiada.
Além disso, toda a relação com o Ministério Público, ao não se nomear integrantes do Ministério Público que tinham um condão de engavetar processos (referência ao procurador-geral da República do governo FHC, Geraldo Brindeiro), que era o que acontecia antes, tudo isso é um processo que vai ocorrendo. E o que acontece? Você fortalece as instituições de combate à corrupção. Você torna mais difícil a corrupção ocorrer sem ser vista.
BBC – Durante a votação da Câmara sobre seu impeachment, muitos observadores, principalmente estrangeiros, ficaram chocados com a natureza do que pareceu um grande ataque pessoal à senhora, misógino, sexista e até invocando pessoas do seu passado (como o coronel torturador Brilhante Ustra citado pelo deputado Jair Bolsonaro em seu voto contra Dilma). Como isso a fez se sentir pessoalmente, o nível de agressão no Congresso na noite de votação da autorização do seu impeachment?
Dilma – Eu lamento pelo país. Porque nós, a minha geração, lutou contra a ditadura, o arbítrio, os assassinatos políticos, as torturas. E aí um dos deputados, ao votar pelo impeachment, vota em nome de um dos grandes torturadores que atuaram no Brasil na década de 70. E diz ainda que ele vota nele em nome do pavor que ele despertava em mim, mas ele estava se referindo ao conjunto de presos políticos.
Veja você que isso é uma volta atrás. Por quê? Porque nós temos uma democracia jovem. O maior legado dessa democracia é a Constituição de 1988 e todos os desdobramentos que ela teve, entre eles o claro repúdio à tortura, o claro repúdio ao fato de que no Brasil não tinha direito de liberdade de imprensa, muito menos de liberdade de expressão. E eu acredito que essa conquista, a democracia, foi essencial para algumas conquistas que o Brasil teve.
Por exemplo, a redução da desigualdade, a própria estabilidade econômica. Enfim, a democracia, ela veio acompanhada de vários ganhos. Ela é uma espécie de portal pelo qual passaram todas as outras vitórias que o Brasil conquistou. Inclusive essa de ser reconhecido como uma grande potência.
BBC – Já há membros do seu partido se preparando para o governo depois de Dilma Rousseff, seja com eleições (presidenciais antecipadas) no final desse ano ou eleições em 2018. O provável é que o Senado, na próxima semana, vote pela abertura de um processo de impeachment e a senhora seja afastada. A senhora se vê retornando ao poder ou pensa que o tempo de Dilma Rousseff como presidente do Brasil terminou?
Dilma – Eu acho que nós vamos continuar lutando para voltar ao governo. O que nós iremos fazer é resistir, resistir e resistir. E lutar para quê? Para ganhar (o julgamento) no mérito e retornar ao governo. Nós defendemos, eu e todos os meus apoiadores, que esse processo de impeachment é ilegítimo, ilegal, porque é baseado numa farsa, que é uma eleição indireta revestida da capa de impeachment.
Todos nós somos a favor de eleições em 2018. Nós iremos lutar até o fim pelo meu retorno. Agora, sempre no Brasil se colocará em quaisquer circunstâncias a importância de eleições diretas. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Nós vamos continuar batalhando e lutando contra esse impeachment.
BBC – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal a investigação de muitos políticos nesta semana. Não acha provável que entre hoje e o final do ano mais e mais evidências venham à tona, se não contra a senhora, contra pessoas do governo? Nesse cenário, é possível seu retorno à Presidência?
Dilma – Eu não acho que mais e mais evidências aparecerão contra mim e o meu governo. Eu aceito qualquer forma de investigação porque tenho certeza que sou inocente. Então, não será por conta de investigação (que não voltarei à Presidência). Não há o menor problema. A mim, podem investigar. Aliás, eu estou sendo investigada desde que fui candidata. Eu continuarei lutando sistematicamente e vou e quero voltar. Inclusive, os integrantes do meu governo também se colocam à disposição para qualquer investigação.
O que acontece aqui no Brasil é outra coisa. As investigações aqui são usadas como instrumento de perda de respeitabilidade da pessoa investigada. Mesmo que depois se prove serem infundadas as acusações, se você vazá-las, o mal já está feito, o dano já foi causado. E aí o objetivo do vazamento foi conquistado, que era o quê? Desmoralizar a outra pessoa. Isso está ocorrendo sistematicamente aqui no Brasil. Acredito que todas as pessoas têm direito a um julgamento justo e sem preconceitos.
Acontece que eu não temo porque eu não devo nada. E por isso eu sou extremamente incômoda, porque eu sou uma pessoa que seria melhor que renunciasse. Porque, se eu renuncio, a prova viva de que há um golpe, de que foi cometida uma injustiça, de que tem uma pessoa que está sendo vítima porque é inocente, desaparece. Não contem com isso porque eu não vou renunciar.
G1