O número de mortes em acidentes de trânsito com motos no Brasil aumentou 263,5% em 10 anos, segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), criado pelo Ministério da Saúde. Em 2011, foram 11.268 mortes no país, contra 3.100 usuários de motos mortos em 2001. O Ministério da Saúde informa que os dados de 2011 são os mais recentes disponíveis, visto que o processo de registro de óbito é demorado, levando até dois anos para contabilizar todos os casos.
O salto no número de vítimas fatais em acidentes com motos é bem maior que o aumento do número de mortos por acidentes de trânsito em geral, que envolve carros, motos, caminhões, ônibus, pedestres. Em 2011, foram 42.425 mortes contra 30.524 registradas em 2001 – alta de 39%.
No mesmo período, a frota brasileira de veículos de duas rodas aumentou 300%, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas e Similares (Abraciclo), com base em números divulgados pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A quantidade de motos emplacadas no Brasil saltou de 4.611.301 unidades, em 2001, para 18.442.413, em 2011.
Estava em uma via de mão dupla quando apareceu um carro com farol de xênon. Com a luz nos olhos não vi nada e acabei batendo em um caminhão”
Marcelo César, motociclista que perdeu movimentos da mão após acidente
Fator humano
Especialistas ouvidos pelo G1 apontam o despreparo de motociclistas e motoristas de carro como as principais causas de acidentes, apesar de não haver pesquisas mais precisas sobre seus motivos no Brasil.
“O fator humano está presente em grande parte, além do crescimento rápido da frota. Existe também a falta de habilitação, ignorância sobre regras de segurança, não uso de equipamentos e imprudência associada com falta de políticas de transporte adequadas para o uso da motocicleta no trânsito do país”, aponta Júlia Greve, coordenadora do HC em Movimento, um programa de prevenção de acidentes do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Especialista em fisiatria, atividade que faz o tratamento de pessoas com capacidade funcional limitada, Júlia trabalha no Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do HC, o principal centro público para o tratamento de vítimas de acidentes com motos do Brasil. Segundo os médicos do hospital, a maioria das mortes de motociclistas é motivada por lesões na cabeça. Ao instituto são encaminhadas as vítimas sem ferimentos internos, com foco no tratamento ósseo, muscular e de articulações.
Afastado do trabalho
Usuário de motos há mais de 15 anos, Marcelo Geraldo César, de 46 anos, faz tratamento desde 2011 no HC, após sofrer uma queda. “Estava em uma via de mão dupla quando apareceu um carro com farol de xênon. Com a luz nos olhos não vi nada e acabei batendo em um caminhão que estava estacionado”, explica César, que está afastado do trabalho de prensista devido a sequelas do acidente.
Ele diz que buscou na moto uma alternativa para o transporte público falho. “Meu trabalho ficava a 25 km de casa e não tinha como ir de ônibus, pois era muito fora de mão”, relata o baiano radicado em São Paulo. “Fazia este percurso há mais de dez anos e nunca aconteceu nada”.
Ainda tentando se recuperar de lesão que comprometeu os movimentos da mão direita, ele afirma que não vai deixar de andar de moto. “Quem anda de moto é igual a peão de rodeio: mesmo caindo, não tem como abandoná-la”, diz. “Não me arrependo de andar de moto, porque nunca fui imprudente. Não sou de abusar e andar correndo.”
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2011 houve 155.656 internações por acidentes de trânsito, com custo de R$ 205 milhões. Os acidentes de moto corresponderam a 77.113 delas, totalizando gasto de R$ 96 milhões.
Médico do IOT e também coordenador do HC em Movimento, Marcelo de Rezende afirma que que 44% dos atendimentos no pronto-socorro do HC são de motociclistas.
Segundo ele, o atendimento rápido da vítima é crucial. “Normalmente, o indivíduo chega ao local e fica esperando para fazer o tratamento, pois nem sempre existe um especialista para seu caso. A rapidez no atendimento traz menos infecção, recuperação mais rápida e menor quantidade de sequelas”, esclarece Rezende.
Para o médico, o motociclista não vê a situação de risco e 80% dos acidentados dizem que não tiveram culpa. O motoboy Marcelo Tognini, outro que está em tratamento no HC, foge dessa regra: “A culpa foi minha, não vi o carro e bati nele”.
Com 10 anos de profissão, Tognini sofreu uma fratura no fêmur após queda com a moto. Este foi seu acidente mais grave, de três que já teve. Apesar da lesão severa, também não pensa em deixar a moto. “A moto fez tudo em minha vida, estava em uma fase ruim que não conseguia emprego. Não quero morrer em cima de uma moto, mas com certeza vou continuar andando”, explica.
O médico Rezende também é motociclista, com 29 anos de experiência. “É um transporte mais perigoso, sem dúvida. Quem quiser utilizá-lo tem de fazer uma direção defensiva. São vários conceitos, desde a velocidade que se deve andar até o local”.
Perfil dos acidentados
“A maioria dos acidentados vem de uma classe baixa economicamente, tem de 18 a 30 anos e cerca de 50% usa a moto como meio de transporte”, diz Rezende, traçando um perfil dos motociclistas atendidos no HC.
Ao divulgar os dados do primeiro trimestre deste ano para os pagamentos do seguro obrigatório (DPVAT), a Seguradora Líder, que administra o serviço, voltou a apontar as motos como primeiras colocadas no ranking nacional, chamando o dado de “preocupante” porque esse tipo de veículo corresponde a apenas 27% da frota brasileira.
Em 2012, as motos já haviam liderado as solicitações do DPVAT no país, com 69% do total, ficando à frente de carros (25%), caminhões (4%) e ônibus (2%).
A proibição para motos circularem nos corredores foi vetada em 1997,
mas Denatran diz que não manter a distância de outros veículos pode render multa
O Nordeste foi a região com maior quantidade de pagamentos no ano passado, correspondendo a 29% do total, superando Sul (28%) e Sudeste (25%). O crescimento do uso de motocicletas no Nordeste é apontado como fator responsável pela alta de solicitações do DPVAT.
“Cerca de 30% de nossos atendimentos são de fora do estado de São Paulo. Não existem centros como este para tratamento especializado espalhados pelo país”, diz o médico Rezende sobre o Instituto de Ortopedia do HC-SP. Raílson Mesquita Tavares, de 30 anos, veio do Amazonas para tratar a mão no local. “Um pedestre bêbado atravessou minha frente e acabei caindo”, explica.
Polêmica do corredor
Para a médica Júlia Greve, o deslocamento de motos nos chamados “corredores”, o espaço entre entre duas filas de outros veículos, é agravante nos acidentes. “Principalmente na velocidade em que se anda quando os outros veículos também estão em movimento”, opina.
De acordo com o Denatran, o artigo que previa a proibição de motos no corredor foi vetado em 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de não ser ilegal o uso do corredor, o órgão alerta que as motos devem seguir as regras de circulação geral de todos veículos e que deixar de guardar distância de segurança, lateral ou frontal, de outro veículo pode ser interpretado com infração e o usuário pode ser multado, o que, na prática, não se observa nas ruas brasileiras.
“Se o corredor for proibido vai aumentar o número de mortes de motociclistas. Sem mencionar o caos no tráfego urbano”, afirma André Garcia, instrutor de pilotagem, advogado e especialista em gestão de trânsito.
“No Brasil, o motociclista é marginalizado pelo próprio estado. Se em países como França, Itália, Espanha a motocicleta é vista como um importante veículo para tornar eficaz a política de mobilidade, o Brasil caminha na contramão”, acrescenta.
Na Europa, apesar de algumas vias serem restritas à circulação de motos no corredor, o ato é comum na Itália, França e Espanha. Nos Estados Unidos, onde as leis de trânsito são diferentes em cada estado, o chamado “lane splitting” é permitido apenas na Califórnia. Apesar do endurecimento americano para a circulação nos corredores, muitos estados não obrigam todos os motociclistas a usar capacete.
Reais causas
Em busca de respostas para as causas dos acidentes de motos no Brasil, o Hospital das Clínicas de São Paulo e a Abraciclo trabalham em projeto para analisar os motivos específicos dos acidentes. A pesquisa envolve a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP) e as polícias Civil e Militar, com um investimento de R$ 420 mil por parte das fabricantes de motocicletas associadas.
O levantamento é feito em área da Zona Oeste de São Paulo e conta com a participação de funcionários do hospital no momento das internações. De acordo com os fabricantes de motos, a pesquisa está em fase final de apuração e será divulgada até o final do ano.