“O que acontecer no Brasil influirá nos demais países da região”

O ex-ministro paraguaio José Tomás Sánchez tem seguido com muita atenção os desenlaces do processo de impeachment de Dilma Rousseff: “É de muita importância para qualquer um que se interesse pela política latino-americana”, diz.

Ministro mais jovem do governo progressista de Fernando Lugo – que foi interrompido por um impeachment relâmpago em 2012 –, José Tomás liderou a Secretaría de la Función Pública, ministério responsável por profissionalizar e organizar a burocracia paraguaia e acabar com o clientelismo, legado de 60 anos de governo de um só partido, o Colorado, derrotado pela candidatura de Lugo.

Nesta entrevista, ele relembra os processos que derrubaram o governo paraguaio e o de Manuel Zelaya, em Honduras, ambos respaldados pelos Congressos e Cortes Supremas dos seus países.

“Tem que olhar para os acontecimentos e ver o que eles significam: deixar de lado as regras formais e o voto popular e se valer de atalhos justificados institucionalmente para que forças políticas não eleitas cheguem ao governo”, avalia.

Agência Pública: Como você recebeu a notícia do impeachment de Lugo em 2012?

José Tomás Sánchez: O julgamento político de Lugo esteve marcado em um contexto de comoção política por causa do massacre de campesinos e policiais nas terras de Marina Kue, em Curuguaty, uma semana antes. Naquela tragédia morreram 11 camponeses e seis policiais, o que gerou um ambiente de caos: por um lado, certos setores como as elites e classe média se viram assustados diante da pior morte de policiais na transição democrática e, por outro lado, setores populares se viram sumamente afetados pela pior morte de camponeses desde a ditadura. Ou seja, havia uma sensação de muita incerteza.

Os meios de comunicação traiçoeiramente distorceram a realidade contando uma história de guerrilheiros camponeses armados com fuzis de guerra que ocuparam uma propriedade privada e assassinaram policiais desarmados a sangue-frio. Não havia nenhuma prova nesse sentido, como posteriormente mostraram trabalhos de investigação como da organização Codehupy, da Agência Pública e outros. Mas as evidências pouco importaram naquela época.

Isso porque Lugo tinha popularidade suficiente para apoiar uma nova candidatura progressista com chances de ganhar as eleições seguintes. Isso pôs sob pressão o sistema bipartidário que domina a arena política paraguaia desde o século 19. O Partido Colorado e o Partido Liberal obviamente não estavam confortáveis com a emergência de um novo ator político, tampouco as elites que os favorecem estavam felizes. Nesse contexto de comoção social e tensões políticas, o caso Curuguaty gerou as condições para que a vigésima tentativa de impeachment contra Lugo prosperasse – depois de 19 que fracassaram – e em menos de 24 horas derrubasse o presidente.

Agência Pública: Você considera o processo contra Lugo um golpe?

JTS: Se o processo de destituição de uma força política do governo para que outra força suba ao poder governamental não segue as regras formais, então o que vale são regras informais, e nesse jogo o que vale é o recurso da força. Esse uso da força pode ser direto ou um cenário iminente. Imagine o que haverá passado pela cabeça de Lugo ou o que passa na de Dilma neste momento – o momento de avaliar se devem seguir ou os julgamentos que acreditam ser irregulares. “O que farão os militares? Até onde irão os adversários? Haverá violência?” Não são perguntas simples.

Para alguns setores, esses casos de impeachment não são golpes porque não se parecem aos golpes militares do passado, já que não são seguidos por regimes autoritários. Ou porque os processos de impeachment “estão previstos na Constituição”. No caso paraguaio, recordemos que, ainda que o julgamento político esteja na Constituição, ele não seguiu o devido processo. Não foram apresentadas provas das acusações porque os congressistas escreveram que os fatos eram de “conhecimento público”. Para mim, isso se trata de um golpe parlamentar.

Vale lembrar o caso da derrubada do presidente Manuel Zelaya em Honduras, em 2009, em mãos de militares que o retiraram de pijama da sua casa. Seu sucessor, Micheletti, sempre justificou que foi uma ação legal, com o apoio unânime da Corte Suprema de Honduras, do Congresso e de outras instituições.

Então, como sabemos quando as forças políticas, instituições do Estado ou militares são ou não golpistas? Tem que olhar para os acontecimentos e ver o que eles significam: deixar de lado as regras formais e o voto popular e se valer de atalhos justificados institucionalmente para que forças políticas não eleitas cheguem ao governo.

Agência Pública: Como você vê o processo de impeachment de Dilma Rousseff no Brasil?

JTS: Obviamente, o que acontece no Brasil vai influir nos demais países da região. O impeachment finaliza a etapa política do “lulismo”, que buscava a convergência, a inclusão e o crescimento de todos os setores econômicos e sociais dentro de um plano de desenvolvimento nacional. Essa fase eu creio que acaba aqui. Lembremos: ele se situa dentro dos processos políticos de esquerda vistos como “moderados” e “responsáveis” por organismos internacionais, politólogos, economistas – em contraste com as experiências tidas como mais radicais e confrontativas na Venezuela, Equador e Bolívia.

Mas é interessante que nem a ideia de que “todos crescemos”, que o PT abraçou e que favoreceu as elites, conteve essas mesmas elites num momento de crise. É interessante também a mensagem que isso deixa para a América Latina: nos países onde os setores progressistas avançaram com mais radicalismo, eles mantiveram seus mandatos, ao contrário de casos como Honduras, Paraguai e, agora, Brasil.

Agora temos que ver os efeitos institucionais do impeachment, já que nos governos do PT aconteceu algo que não se vê facilmente nem mesmo nos países chamados desenvolvidos: poderosos pagando com cadeia por causa da corrupção. Imaginem se os mesmos padrões fossem seguidos nos países desenvolvidos que quebraram a economia global em 2008 e que estão por trás de lavagem de dinheiro no caso dos Panamá Papers ou outras “lavanderias” internacionais? Os avanços no Brasil em matéria de luta contra a corrupção foram extraordinários. Não está claro o que vai acontecer quando assumirem novas forças políticas que chegam com outra agenda e representando outros interesses.

É importante ainda destacar que o impeachment tem forte apoio popular, com protestos nas ruas. Agora é preciso ver quanto dessa mobilização responde a uma indignação seletiva contra o PT e quanto é uma negação mais ampla da classe política. Os primeiros deixarão de se mobilizar se houver mudança no governo, os segundos não; e aí entramos em um terreno mais complicado.

Agência Pública: O que o impeachment de Dilma significa para o resto da América Latina?

JTS: Com o impeachment no Brasil, me parece que os sistemas de governo na América Latina voltarão a ser um tema central. Desde que teve início a democratização da região nos anos 1980, uns 20 presidentes tiveram seus mandatos interrompidos por diversas razões. Em um primeiro momento, havia o medo de retrocessos a regimes autoritários, o que não ocorreu. Hoje o enfoque é a resolução de conflitos e de transição de poder dentro dos sistemas presidencialistas. O impeachment será problematizado como uma ferramenta de revogatória de mandato, sobretudo porque é difícil garantir que se cumpra o devido processo quando o julgamento é fortemente político e quem resolve são os congressistas.

Tomara que isso reforce a discussão sobre o financiamento político de campanhas, que obviamente está associado à corrupção e à ligação de governos a interesses econômicos que se sobrepõem aos seus compromissos políticos com os cidadãos. Depois de três décadas de desenvolvimento democrático, é mais urgente do que nunca colocar esses temas no centro do debate e da reconstrução política no continente.

Agência Pública: Olhando em retrospecto, o que significou o impeachment de Lugo para o Paraguai?

JTS: Em termos políticos, o bipartidarismo elitista tirou da frente o crescente protagonismo de atores progressistas. No Paraguai, as instituições eleitorais são sumamente desfavoráveis para forças políticas com poucos recursos econômicos. A instituição eleitoral está dominada pelos partidos tradicionais, não tem uma carreira profissional e é uma festa do clientelismo.

Em termos institucionais, a queda do governo de Lugo significou cortar um processo de gestão governamental que tinha como novidade o fato de que atores sociais e populares se sentavam em mesas de negociação sobre políticas públicas e algumas demandas eram incorporadas. Para as elites econômicas, isso significou, em alguma medida, uma redução no seu controle absoluto sobre o Estado. Um exemplo era a dificuldade que eles tiveram para introduzir as sementes transgênicas, o que depois da queda de Lugo se liberou bem facilmente.

Em termos democráticos, foi um retrocesso enorme na valorização prática da democracia. O dano não é menor em um país conservador com uma larguíssima tradição de autoritarismo, golpes de Estado, guerras civis etc. A derrubada do primeiro presidente que recebeu uma transição de poder pacífica de um partido para outro na história, para mim, teve um significado disciplinador para a sociedade: reforçar a ideia de que o voto vale menos do que esses poderes arbitrários que sempre comandaram a história política nacional.

Carta Capital

Leave a Comment

Your email address will not be published.

Política Relevantes

Governo vai investigar denúncias de assédio contra Silvio Almeida

post-image

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, foi chamado na noite desta quinta-feira (5) para prestar esclarecimentos ao controlador-geral da União, Vinícius Carvalho, e ao advogado-geral da União, Jorge Messias, em razão de supostas denúncias de assédio sexual publicadas pela imprensa. A convocação foi confirmada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).

Em nota, a Secom informou que o próprio ministro irá encaminhar ofício à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Procuradoria Geral da República (PGR) para que investiguem o caso. Ainda de acordo com a nota, a Comissão de Ética da Presidência da República decidiu abrir procedimento para apurar as denúncias.

“O governo federal reconhece a gravidade das denúncias. O caso está sendo tratado com o rigor e a celeridade que situações que…

Read More
Petrolina Política Relevantes

TRE-PE determina perda de mandato da vereadora de Petrolina, Lucinha Mota

post-image

Em sessão plenária desta quinta-feira (5), o plenário do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) determinou, por unanimidade, a perda do mandato da vereadora Lucinha Mota, de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, por infidelidade partidária requerida pelo PSOL, seu antigo partido.

O Tribunal não acolheu os argumentos de Lucinha Mota de mudança na linha programática da legenda e perseguição pessoal para justificar a desfiliação e decidiu que o mandato cabe ao partido pelo qual ela disputou a eleição em 2020, o PSOL.

A ação cabe recurso do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, com a decisão, a vereadora perde o mandato de imediato. Em nota à TV Grande Rio, Lucinha Mota se pronunciou sobre a decisão e ressaltou indignação com o resultado, além de destacar que a decisão de acionar a justiça para garantir a cadeira no…

Read More
Política Relevantes

PT tenta barrar mudança da Ficha Limpa que pode beneficiar Bolsonaro

post-image

O PT no Senado apresentou no plenário da Casa uma proposta para tentar evitar que o projeto que altera a Lei da Ficha Limpa possa beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A votação estava marcada para esta terça, 3, mas, diante da falta de consenso sobre o tema, foi adiada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A atual redação do projeto diz que um candidato só pode se tornar inelegível em caso que implique cassação de registro ou diploma, quando eleito. Segundo um dos idealizadores da Lei de Ficha Limpa, o ex-juiz Márlon Reis, como Bolsonaro perdeu o pleito e não foi diplomado, ele poderia se beneficiar da brecha legal.

O próprio Reis disse que se reuniu com senadores ligados ao governo para alertar sobre o que estava sendo votado. Essa proposta é criticada por movimentos…

Read More
Política

Estado lança Programa Bahia de Integridade Pública

post-image

O Governo do Estado lançou por meio da Auditoria Geral do Estado, órgão vinculado à  Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz-BA), o Programa Bahia de Integridade Pública (PIP/BA). A solenidade aconteceu no Auditório do Centro de Operações e Inteligência da Secretaria de Segurança Pública (SSP), no Centro Administrativo da Bahia (CAB), em Salvador. A iniciativa reúne ações voltadas à prevenção, à detecção e à punição para comportamentos antiéticos, fraudes e outros desvios de conduta. 

Durante o evento, o secretário da Fazenda do Estado, Manoel Vitório, assinou a portaria que institui o Programa Bahia de Integridade Pública e oito órgãos estaduais já firmaram o Termo de Adesão ao PIP/BA: Secretaria de Segurança Pública (SSP), Secretaria da Saúde (Sesab), Secretaria do Planejamento (Seplan), Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), Departamento Estadual de Trânsito (Detran), Superintendência de…

Read More
Petrolina Política Relevantes

Eleições 2024: confira a agenda dos candidatos à prefeitura de Petrolina

post-image

Os candidatos à prefeitura de Petrolina divulgaram as agendas de campanha. A lista segue a ordem alfabética dos nomes registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para aparecer nas urnas nas eleições 2024. Confira as agendas:

Segunda-feira, 2 de setembro:

Dr. Marcos Ortopedista (Agir):
8h: Reunião com colegas médicos para discutir prazo para consultas, exames e cirurgias nos postos de saúde
12h: Reunião com ex-secretário de Ação Social para aprender viabilizar a criação da secretário da pessoa idosa
19h: Visita ao Vale do Grande Rio para falar sobre implantação de câmeras de segurança nos bairros aonde mais está ocorrendo crimes


Dr Julio (PSDB):
9h: Gravação para guia eleitoral
15h: Visita a empresas
18h45: Visita à feira do José e Maria

Lara Cavalcanti ( PL):
7h10: Entrevista para o Programa Nossa Voz GRFM
16h: Caminhada no Pedro Raimundo
17h: Caminhada Vale…

Read More
Política Relevantes

Governo envia Orçamento de 2025 prevendo salário mínimo de R$ 1.509

post-image

Em mais um dia tenso para a equipe econômica, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2025 foi protocolado no Congresso Nacional, a previsão de um salário mínimo de R$ 1.509.

Esse novo valor representa um aumento de R$ 97 sobre o piso atual, de R$ 1.412 ao mês, o que equivale a um reajuste de 6,87%, dado acima da inflação projetada pelo mercado para este ano, de 4,25%, de acordo com a mediana das estimativas do mercado coletadas no último boletim Focus, do Banco Central.

Leia também: Projeto de lei de Lula que aumenta impostos de empresas e bancos recebe críticas de parlamentares
O aumento de 6,87%, de acordo com dados do Ministério do Planejamento e Orçamento, vem de 3,82% dados pela variação estimada para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) nos 12 meses encerrados…

Read More
Política Relevantes

Cármen Lúcia diz que horário eleitoral será exercício democrático

post-image

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, afirmou nesta quinta-feira (29) que o horário eleitoral no rádio e na TV será um espaço de exercício democrático de informação. A declaração foi feita durante a abertura da sessão do TSE na manhã desta quinta-feira(29). 

O horário eleitoral gratuito começa nesta sexta-feira (30) e vai até 3 de outubro, três dias antes do primeiro turno. Os horários serão divididos em blocos de propaganda dos candidatos às prefeituras. Os candidatos ao cargo de vereador não têm tempo no horário eleitoral.

“A partir de amanhã [sexta-feira] tem início o horário eleitoral gratuito, pelo qual se dá ciência, como é próprio de um processo eleitoral democrático, das propostas dos candidatos. Mais um espaço de exercício democrático de informação”, afirmou.

O horário eleitoral será exibido nas emissoras…

Read More
Política Relevantes

Propaganda eleitoral no Rádio e TV já começa nessa sexta-feira(30); Confira os tempos e ordem de apresentação dos candidatos de Juazeiro

post-image

A propaganda eleitoral para as Eleições Municipais de 2024 começou oficialmente nesta manhã de sexta-feira (30), às 7h da manhã no rádio, oportunidade em que os candidatos a prefeito começaram a se apresentar para o eleitor no horário gratuito determinado pelo TSE.

Neste primeiro dia em Juazeiro a ordem de apresentação dos programas da propaganda eleitoral no Rádio e na Televisão começam com a seguinte ordem e tempo: 

– Coligação O Futuro Chegou (Andrei Gonçalves): 3:04 minutos.

– Coligação Juazeiro de Toda Gente (Márcio Jandir): 1:07 minutos.

– Aliança por Juazeiro (Suzana Ramos): 04:45 minutos.

– Partido Social Democrático (Celso Carvalho): 1:04 minutos.

Os programas de Rádio tem dois horários: das 7h00 às 7h10 e das 12h00 às 12h10.

Na Televisão os…

Read More