Gaúcho e com o chimarrão sempre à mão, o general José Carlos de Nardi, coordenador das Forças Armadas brasileiras, afirmou que o Vaticano fez apenas dois pedidos para a visita do Papa Francisco ao Brasil em julho: que um avião fosse à Itália buscar dois papamóveis e que o governo disponibilizasse quatro helicópteros, que serão cedidos pelos militares, para uso da comitiva.
Na avaliação no chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o maior risco para o pontífice seria a ação de um “lobo solitário”, como classificou uma pessoa capaz de atentar contra o líder religioso de maneira isolada.
Em entrevista exclusiva ao G1, concedida em seu gabinete no Ministério da Defesa, em Brasília, De Nardi detalhou pontos dos planos de segurança da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Ele também rebateu críticas de que os militares possuem intenção de assumir o controle da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos (Sesge), do Ministério da Justiça, mas garantiu que não abre mão de que a prevenção e repressão a ataques terroristas fiquem centralizados nas mãos de um general do Exército.
De acordo com o general, os helicópteros pedidos pelo Pontífice voarão sempre juntos, para que não seja possível saber em qual aeronave o Papa está. “Vão sempre os quatro juntos, sempre em esquadrilha”, afirmou.
Os helicópteros são do tipo Cougar. Dois são da Força Aérea Brasileira, um do Exército e outro da Marinha. A FAB vai usar o VH-34 Super-Puma, que possui configuração VIP e não tem blindagem. O modelo, que é usado pela presidente Dilma Rousseff, tem capacidade para seis passageiros e quatro tripulantes.
Os outros dois aparelhos podem levar 12 pessoas, além dos tripulantes. Junto com Francisco haverá sempre um médico, alguns ajudantes e agentes da Polícia Federal. Um dos helicópteros terá como finalidade médica. Os demais servirão como escolta e transporte da comitiva.
“Para o Papa, o maior risco que avalio será o lobo solitário, como o que aconteceu na própria Itália. Isso das informações que nós temos. Eu não vejo risco na população, eu vejo risco mais nele”, disse o general, em referência ao ataque sofrido pelo Papa João Paulo II, em 1981, quando ficou gravemente ferido depois de ser atingido por tiros disparados pelo turco Mehmet Ali Agca, na Praça de São Pedro, no Vaticano.
Em sua primeira viagem internacional após o conclave no qual foi eleito, em 13 de março, o Papa chega ao Brasil em 22 de julho. Ele participará de atividades da JMJ, no Rio, e visitará a cidade de Aparecida, no interior de SP. O retorno será no dia 28.
“O Papa é argentino, mas, como disse a nossa presidenta, Deus é brasileiro. Temos certeza de que vai dar tudo certo”, afirmou o general. Natural de Farroupilha, na Serra Gaúcha, De Nardi é conselheiro do Internacional, clube cujo hino é toque do seu celular. Bandeiras do time e do estado em que nasceu estão expostas na sala que ocupa.
No comando do combate ao terrorismo
De Nardi, de 69 anos, foi convidado em 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a assumir a chefia do Estado-Maior Conjunto das Forças Armada, cargo que continua no governo de Dilma Rousseff. Conselheiro direto do ministro da Defesa, Celso Amorim, possui o mesmo status que os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, mas na prática é coordenador das três áreas, centralizando decisões no âmbito da Defesa, da compra de equipamentos e de operações conjuntas.
Para evitar qualquer risco durante a visita de Francisco e durante a Copa das Confederações, que será realizada em junho em seis cidades, o general disse que os cuidados com terrorismo “foram redobrados”, principalmente após os atentados na Maratona de Boston, em 15 de abril, quando dois jovens usaram bombas caseiras em panelas de pressão e provocaram a morte de três pessoas, deixando mais de 170 feridas.
O importante é que o terrorismo será centralizado. As demais ações podem ser separadas. Mas aqui, não. Aqui precisa de centralização. Por isso está na mão do general tudo em relação a terrorismo e defesa química, bacteriológica, nuclear e radiológica”
General José Carlos De Nardi
Se alguma pessoa suspeita está vindo [ao Brasil], a inteligência de outro país irá nos avisar anteriormente. Elas serão acompanhadas e, certamente, monitoradas”
“O importante é que o terrorismo será centralizado. As demais ações podem ser separadas. Mas aqui, não. Aqui precisa de centralização. Por isso está na mão de um general tudo em relação a terrorismo e defesa química, bacteriológica, nuclear e radiológica”, explicou.
Para que isso fosse possível, o governo criou um Centro Integrado de Prevenção e Combate ao Terrorismo em que serão compartilhadas informações obtidas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e divididas ações de prevenção de ataques, a cargo da Polícia Federal. A unidade vai funcionar durante os dois eventos.
“Antiterrorismo é o que antecede toda a preocupação. E nesta parte Abin e PF são vocacionadas, já possuem contatos com a Interpol e com outros países. Mas, se acontecer um ataque terrorista, isto tem que ser coordenado pelo centro, para decidir qual equipe que vai fazer a atuação pontual. Pode ser a própria PF, pode ser um pelotão do Exército, um da Marinha, pode ser o Bope (da PM do Rio de janeiro), assim por diante”, afirmou
“O combate ao terrorismo tem um comando único, não é isso que estão falando por aí, não. E o comando é de um general do Exército. Os eixos de guerra cibernética e terrorismo estão centralizados aqui no Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Isso eu acertei com o Ministério da Justiça. A Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos (Sesge) aceitou, e não tem quem mude. Eu não aceito”, disse ele, batendo forte com uma caneta na mesa.
O oficial acredita que, na prática, não haverá disputa por informações entre os órgãos. “Eu acho muito difícil isso acontecer, porque o comando e a execução serão centralizadas. Se alguém quiser aparecer e esconder um conhecimento [de algum suspeito], ele está se autoprejudicando, porque não é necessariamente a equipe dele que vai atuar”.
A Abin está fazendo avaliações de risco contínuas e, durante os eventos, os relatórios serão distribuídos diariamente. “Se alguma pessoa suspeita está vindo, a inteligência de outro país irá nos avisar anteriormente. Elas serão acompanhadas e, certamente, monitoradas”, disse.
‘Não existe disputa’
O general comentou a polêmica criada em torno da demissão do delegado da Polícia Federal Valdinho Caetano do comando da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos (Sesge), que, segundo notícias divulgadas por diversos veículos de imprensa, estaria insatisfeito com a “preferência” dada pela Presidência da República aos militares nos trabalhos de segurança de grandes eventos. O Ministério da Justiça, a qual a Sesge é subordinada, ainda não divulgou um novo nome para a chefia do órgão.
De Nardi nega qualquer intenção das Forças Armadas de assumirem a pasta. “Dai a César o que é de César. O que é da segurança pública, é da Sesge. O que é da Defesa, é do Estado-Maior Conjunto”, afirmou.
“Não teria cabimento, e nem a Fifa aceitaria, colocar gente fardada de fuzil na porta de estádio. Isso, quem faz, é quem é vocacionado para segurança pública. Nós só entraremos como força de contingência, se for pedido apoio. Não existe disputa nenhuma. Colocaram até que era uma briga por verba, não existe isso. Os recursos já foram definidos há um ano e meio”, completou.
Divisão de tarefas
Tanto para a Jornada Mundial da Juventude quanto para a Copa das Confederações, houve uma divisão de tarefas.
“Dentro dos estádios, a responsabilidade é da Fifa, com os ‘stewards’ [agentes de segurança privada que trabalham nos grandes eventos]. Para entrar, todo mundo passará por raios-x, como o de aeroportos. E será um delegado da Fifa que irá determinar quando a polícia poderá atuar. Teremos equipes especializadas presentes, que estarão em contato com o centro de terrorismo em Brasília e com os centros de controle de cada sede”, explicou o general.
Mais de 20,5 mil militares serão empregados nas seis cidades que sediarão a competição esportiva, sendo 600 homens especializados em terrorismo de prontidão.
Já para a presença do Papa Francisco, a responsabilidade da segurança na cidade do Rio de Janeiro será da Secretaria Extraordinária de Segurança de Grandes Eventos (Sesge), do Ministério da Justiça, que coordena a ação das polícias estaduais e federais.
A exceção será em Guaratiba, onde cerca de 2 milhões de pessoas são esperadas para o pronunciamento do Papa. Em uma área de 12 quilômetros quadrados será decretado, pela presidente Dilma, a situação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), passando o controle da área para o Exército por tempo determinado.
GLO é quando o governo autoriza o emprego militar para segurança pública em condições excepcionais, por tempo determinado, área determinada e com fins específicos.
O percurso de 8 km que os peregrinos farão até o ponto de encontro será cercado por militares – serão mais de 8,5 mil homens. Já ao redor do palco haverá uma divisão do público em grupos de cerca de 30 mil, que serão monitorados por torres de controle, onde serão posicionados atiradores de elite. Nas áreas segregadas também haverá postos de água, banheiros e um posto de saúde. Só haverá revista quando houver necessidade.
A Força Aérea irá fechar e controlar o espaço aéreo utilizando vários tipos de aeronaves, como veículos aéreos não tripulados (drones), o avião radar E-99, que pode identificar explosivos, e caças.
“Dentro da área, o Ministério da Justiça já disponibilizou 1.200 homens da Força Nacional. Também vou conversar com o Beltrame (José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Estado do Rio), para pedir dois batalhões da PM para o policiamento interno. Mas eles estarão todos subordinados ao general”, disse De Nardi.