O Hospital de Clínicas, vinculado a Universidade Federal do Paraná (UFPR), seleciona, até o fim do ano, voluntários para uma pesquisa relacionada ao Mal de Alzheimer que, segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), atinge 6% dos brasileiros com mais de 60 anos. O estudo testa a eficácia de uma droga para evitar o aparecimento da doença. A pesquisa tem sede na Inglaterra e também recruta voluntários em diversos países até que se chegue ao número de 700.
A causa do Alzheimer é desconhecida, assim como a cura. Também chamada de demência, a doença é neuro-degenerativa e provoca perda das funções intelectuais, afetando a capacidade do doente de se relacionar com outras pessoas. Um dos sintomas mais conhecidos é a perda da memória. Nos casos mais avançados, o doente esquece, por exemplo, que acabou de realizar uma refeição. O quadro pode se agravar a ponto do idoso perder capacidade de compreensão e de se comunicar. A pessoa fica cada vez mais dependente de terceiros. Atualmente, existem quatro medicamentos utilizados em pacientes diagnosticados com Alzheimer. Nenhum deles, entretanto, reverte o quadro clínico. São remédios que controlam a doença, fazendo com que ela evolua mais lentamente.
Diante do envelhecimento da população, a doença se torna ainda mais assustadora, uma vez que o número de doente deve aumentar. De acordo com a coordenadora da pesquisa no HC, a médica neurologista Viviane Zetola, estima-se que aqueles que nasceram nos anos 2000 irão viver até os 104 anos. “De um lado é bom, devido à longevidade. Por outro lado, as doenças demenciais vão crescer muito”, comentou.
É neste cenário que a pesquisa pretende interferir, por isso, seleciona homens e mulheres entre 50 e 85 anos que apresentam alguma pré-disposição para o desenvolvimento do Alzheimer. Zetola explica que a pesquisa tem como alvo pessoas que, por exemplo, têm histórico positivo da doença na família e esquecimentos relativamente leves, que não prejudicam a produtividade no ambiente de trabalho ou interferem no convívio social.
Hoje a gente imagina que doenças como o Alzheimer, que a gente acaba diagnosticando aos 60, 75, 80, 90 anos, a gente possa diagnosticar aos 50, ou a gente possa ter uma ideia que ela possa vir a desenvolver e, então, usar uma medicação que evite que ela venha”
Viviane Zetola, coordenadora da pesquisa
“Hoje a gente imagina que doenças como o Alzheimer, que a gente acaba diagnosticando aos 60, 75, 80, 90 anos, a gente possa diagnosticar aos 50, ou a gente possa ter uma ideia que ela possa vir a desenvolver e, então, usar uma medicação que evite que ela venha. Esta é a ideia”.
A medicação referida pela coordenadora da pesquisa é subcutânea e dosada mensalmente. A injeção será aplicada durante quadro anos nos voluntários, sempre com acompanhamento da equipe, formada por médicos, psicólogos, enfermeiros e estudantes de Medicina. O nome da substância ativa e como ela age no organismo são mantidos em sigilo. Segundo Zetola, não há efeitos colaterais.
“Eu estaria aqui. Se eu sei que este tratamento não existe, se eu sei que se vir a desenvolver a doença, eu não vou ter tratamento, e eu tenho a chance de não desenvolver utilizando uma droga que ninguém sabe, mas eu posso me livrar da doença, com certeza eu faria”, hipotetiza a médica.
Ainda que a pesquisa possa trazer um bem inestimado para a humanidade, está difícil conseguir voluntários. As inscrições foram abertas em janeiro e até quarta-feira (8) havia apenas três voluntários. O baixo número não é consequência de desinteresse, foram 140 inscritos e mais 160 estão na fila para realizarem os exames iniciais. O que se percebe é que, por ser uma pesquisa científica, a seleção é criteriosa para que se consiga o mesmo perfil entre os voluntários. “É o critério extremamente rigoroso que faz com que a gente tenha uma seleção de pacientes iguais, seja em Londres, seja no Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil. Nós vamos ter o mesmo tipo de paciente para poder dizer, daqui cinco anos, que, com a medicação, realmente conseguimos retardar ou fazer com que não aparecesse o Alzheimer”, explicou a médica.
O voluntário não pode ter nenhuma doença neurológica, não pode ter entrado em coma ou ter sofrido algum trauma cerebral, não pode estar em uso de medicação e, obviamente, ter alguma queixa de esquecimento. Além disso, é preciso que este voluntário tenha disponibilidade para o estudo. Isso significa que, durante os quatro anos da pesquisa, ele deve comparecer pelo menos uma vez por semana e passar um período com a equipe no HC.
Cientistas detectam mal de Alzheimer antes dos sintomas aparecerem
Caso o candidato, passe por esta fase inicial, a equipe verifica qual é grau da queixa de esquecimento. É neste quesito que muitos candidatos são eliminados. “Chegam pessoas aqui para mim que acham que estão esquecidas, mas, na hora que a gente faz o teste, não aparece nada. São testes neuropsicométricos, nos quais os psicólogos passam diversos exercícios em números, em cálculos, em memória recente, memória pregressa, memória remota, diversas situações em que a gente consegue detectar se este esquecimento é maior do que a maioria das pessoas para aquela faixa etária”, explicou Zetola.
Há ainda outros exames que podem eliminar o candidato, como quantidade de vitamina e hormônio no organismo. A médica destacou que, apesar da pesquisa ter esta rigorosidade, muitas pessoas são beneficiadas, uma vez que conseguem realizar gratuitamente uma série de exames de alta complexidade. Como o diagnóstico do Alzheimer, em uma fase inicial, não é fácil, os critérios e a alta tecnologia da pesquisa podem ajudar a identificar a doença antecipadamente, fazendo com o paciente busque o acompanhamento médico adequado. É preciso lembrar também que muitas pessoas são eliminadas porque os esquecimentos, que elas tinham a preocupação que fossem pequenas manifestações da doença, são inexpressivos. Isso, como lembrou Zetola, traz tranquilidade aos voluntários.
“A avaliação psicométrica que a gente faz aqui nem é disponível. Ela é muito complexa, feita em dois, três dias sequenciais, com um instrumental muito mais sensível, muito mais rico. Isso, você pagaria cerca de R$ 1.000 para fazer uma coisa que talvez não fosse tão boa. A ressonância magnética que nós estamos fazendo é em um padrão mais sensível para captar qualquer alteração. Hoje, uma ressonância desta custa entre R$ 800 e R$ 900. No Sus, você demora um ano para conseguir, a não ser que seja uma emergência ambulatorial. Aqui, você ganha na hora”, enumera a coordenadora da pesquisa.
Ela cita ainda um exame realizado a partir do licor, que é o líquido que banha o cérebro. “A gente tira um pouco deste licor e analisa. Quando o cérebro começa a degenerar, ele apresenta uma proteína diferente. Então, isso sinaliza para nós que existe uma degeneração a mais do que deveria ter naquele período. Este é um exame que se faz no Brasil apenas em instituições privadas e em pouquíssimos lugares. Aqui está sendo dado”. Todas estas vantagens são listadas pela médica para incentivar a participação de voluntários.
A pessoa que quiser participar da pesquisa pode entrar em contato pelo 0800-7621187.
O mal de Alzheimer e a família
Não é apenas o idoso que sofre com o Alzheimer. Como os sintomas refletem diretamente na convivência social, a família também sente a evolução da doença. Há seis anos, os nove filhos de Maria Felicidade da Silva Machado lidam diariamente com esta realidade. Um deles, o professor de Educação Física Helder Fernando Machado, conta que no começo teve dificuldade em aceitar que a mãe estava doente.
“No começo eu chorava muito. Eu não aceitava a doença, pela inteligência dela, pelo esforço dela. Agora, o tempo me obrigou a aceitar. Mesmo com a doença, ela me ensinou a viver. Eu ainda tenho alguma reclamação, mas aceito melhor. Não concordo muito, mas aceito melhor”, disse Fernando.
A família começou a perceber os sintomas cerca de seis meses antes do diagnostico médico. Segundo Fernando, a mãe começou a esquecer do nome dos objetos e a trocar o nome dos filhos. Hoje, o quadro é avançado. Maria já perdeu a capacidade de se comunicar e, se alguém faz alguma pergunta, ela não responde.
Ao olhar para o passado e para a história de vida da mãe, o filho lamenta ainda mais. “Minha mãe era professora de português. Ela tem dois cursos superiores, ela realmente tinha o dom da palavra. Agora, para ela, não existe nenhum tipo de vocabulário”.
Maria já não consegue estabelecer e manter o relacionamento com os familiares. “Ela vive, digamos assim, no mundo dela. Ela não sabe quem eu sou, não sabe quantos filhos ela teve e não sabe se ela foi casada. Ela realmente esqueceu de tudo. Às vezes, ela acha que a casa não é a casa dela”, contou.
Fernando é casado e tem três filhas. Ele, a mulher e uma das meninas foram morar com a Maria, ainda quando não havia sinais da doença. Por estar na mesma casa, pode-se dizer que ele é o filho com o contato mais próximo. A doença, entretanto, impede que a mãe o reconheça. “Ao invés de ser filho, ela acha que eu sou tio. Eu já fui pai, já fui marido. Filho, faz tempo que eu não sou”, disse.
A gente sabe que ela não sabe que a gente é filho dela, mas nós sabemos que ela é nossa mãe. Então, para nós, interessa o convívio com ela”
Fernando Machado, professor de Educação Física
Ainda que Maria não identifique os filhos e netos, a família faz com que todos estejam reunidos, especialmente, nos finais de semana. “A gente não deixa ela sozinha. A gente sabe que ela não sabe que a gente é filho dela, mas nós sabemos que ela é nossa mãe. Então, para nós, interessa o convívio com ela. Por mais que não exista este diálogo de mãe para filho, para a gente a presença dela continua sendo muito importante. Em momento algum a gente abandona. Ela convive conosco do jeito dela”, contou o professor.
Fernando relatou que os cuidados com a mãe exigem paciência, porque ela cria resistência, por exemplo, para tomar remédios, para tomar banho e até para comer. De acordo com ele, em alguns dias, a mãe quer comer muito e em outro não quer se alimentar. Há dias em que ela não quer acorda e também houve uma fase, lembrou Fernando, em que a mãe ficou um pouco agressiva. “Mas é normal da doença”.