O lugar em que ele nasceu,
Por aparente ironia,
tem o nome de Lago.
Mas é no meio do sertão.
Lugar seco.
Cravado na Caatinga.
Na divisa de Bahia com Pernambuco.
Ali, ele e mais dez irmãos
Foram criados
E se criaram, uns aos outros,
nessa terra escaldante.
Pobreza.
Fome.
Dor.
São alguns dos gigantes que enfrentou.
Mas a amizade, cumplicidade e o amor.
Os sustentaram no labor
De sobreviver.
Um dia por vez.
Em certa ocasião
o menino do Lago
respondeu, sem titubear,
a pergunta dos missionários
Que visitavam o sertão
Perguntaram quem era o Salvador?
E ele, sem saber o que era cristão
Gritou: é Jesus!
E impressionou
A pequena multidão.
Passado um tempo
Os padres voltaram no lugar
E o menino do Lago
Queriam levar,
Para filosofia e teologia,
Poderem lhe ensinar.
O pai Martiniano
Não conseguiu deixar
Pois atrás da casa de taipa.
Ouvia Zulmira chorar
Apesar dela saber
Que o melhor para o filho
Era longe dali morar.
O tempo passou.
E o menino do Lago.
Foi para Petrolina.
Aprender a costurar.
E debaixo da mesa de corte.
Muitas vezes ele dormiu.
E ali passou a ser seu lar.
Depois foi auxiliar de um grande comerciante.
Foi responsável pelas correspondências.
Num tempo em que o envelope era o WhatsApp
E o correio, era o wifi.
Se destacou.
E de muita confiança
Se creditou.
Num dia especial,
conseguiu se consultar
Com aquele ser “divino”.
O tal doutor médico.
Tão dificil de encontrar!
O “santo” de branco lhe disse:
“Você não aguenta esse calor.
É muito franzino.
Lá para as bandas do sul.
Tem uma terra cheia de verde.
De céu sempre azul.
Montanhas? Tem um monte!
Ela fica no meio delas.
Chamam-na: Belo Horizonte.”
O menino do Lago passou a sonhar com esse lugar.
E um dia.
Juntando a pouca economia.
Desembarcou em BH.
A primeira coisa que fez.
Foi ir no barbeiro.
Fazer o cabelo.
Lá mesmo, vendo a ingenuidade do mancebo.
Parte da economia do moço.
O esperto barbeiro surrupiou.
Pois passou tantos produtos no cabelo do menino.
Que a conta estrapolou.
De cabelo lambido.
E bolso quase vazio.
Uma pensão foi procurar.
Achou!
No andar de cima
De uma beliche
Onde passou a morar.
Seu primeiro emprego.
Foi com um libanês.
Por quatro anos.
Abrindo e fechando a loja.
Sempre ao lado do patrão.
Até que um dia, um outro libanês,
Da loja de tecidos,
no outro quarteirão,
Ofereceu-lhe o dobro,
Por sua dedicação.
O antigo patrão,
Quis o salário, também dobrar.
Para o menino do Lago.
Na lojinha ficar.
Proposta esta,
que recebeu boa resposta.
“O senhor teve quatro anos
Para meu ganho aumentar.
Agora estou indo
Pois tenho sonhos a realizar.”
São tantas as histórias…
Que num poema só,
não dá para contar.
Dessa nova loja,
Ele foi convidado para ser corretor de seguros.
Depois, para empresas respresentar.
Nunca foi a escola.
Sozinho, aprendeu a estudar.
Ganhou dinheiro.
Suficiente para casar.
Maria do Carmo, conheceu.
E se empenhou em cativar.
Tiveram três filhos.
Que cresceram ouvindo essas histórias.
E sabe aquele ser “divino”, de branco?
Que chamam de doutor
Que era tão difícil de encontrar?
Nesse dia em que o menino do Lago,
completa 90 anos.
Também forma a segunda doutora.
A primeira, sua filha.
A segunda, sua neta.
O Menino do Lago.
Que era para ser padre.
Ou morrer de inanição.
Fez valer a sua vida.
Pra servir de inspiração.
Feliz aniversário meu pai!
Texto de Alberto de Andrade Silva Junior, em homenagem aos 90 anos de seu pai, Alberto de Andrade Silva.