A Polícia Civil de Santa Maria pediu na noite desta quinta-feira (31) a prorrogação da prisão dos dois sócios da boate Kiss por 30 dias, informou o Ministério Público do Rio Grande do Sul. Segundo a Promotoria, que deu parecer favorável ao pedido, há indícios de que tenha havido homicídio doloso (com intenção) no incêndio que deixou 235 mortos na boate na madrugada do domingo (27).
Estão presos desde segunda (28) o dono da boate Elissandro Spohr, seu sócio Mauro Hoffmann e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o técnico de palco Luciano Augusto Bonilha Leão. O pedido pode ser decidido nesta sexta-feira (1º), quando se encerra a prisão temporária de cinco dias, pelo Judiciário.
Segundo o Ministério Público, a polícia afirma que a manutenção da prisão é necessária porque há risco para a continuação das investigações caso eles sejam soltos e possibilidade de fuga.
Já a Promotoria afirma que as investigações iniciais “indicam a presença do dolo na conduta dos representados, evidenciando a prática de homicídio doloso, portanto, tendo os representados assumido o risco de produzir o resultado morte de mais de duzentas pessoas, por meio de asfixia”. Dolo é o crime cometido com intenção.
“Estamos diante, portanto, por ora, de crime de homicídio qualificado, o qual é considerado crime hediondo”, afirmam os promotores Joel Oliveira Dutra e Waleska Flores Agostini, que assinam o parecer.
Ainda segundo o MP, os sócios “mantinham estabelecimento comercial que não tinha condições de operar e, mais, operavam de forma temerária”, os “extintores não funcionavam”, e “houve uso de artefatos pirotécnicos não permitidos para ambientes fechados”.
Além disso, afirma a Promotoria, “houve a utilização de materiais altamente inflamáveis não permitidos para o isolamento acústico, que, segundo já noticiado, liberava substância tóxica (cianeto), que já foi detectado em uma das vítimas sobreviventes, ainda hoje internada junto ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre”.
Já os integrantes da Banda Gurizada Fandangueira, “com suas condutas, teriam concorrido para a prática do ilícito”, diz o MP. Isso porque o produtor da banda “adquiria os artefatos pirotécnicos, com ciência de que não poderiam ser utilizados em ambiente fechado”, “parecendo desimportar-se com o resultado de sua conduta, apenas visando ao lucro”.
O vocalista da banda, “teria ciência de tal fato e, mesmo assim, utilizava os artefatos, sendo que há notícia, inclusive, de que chegou a encostar no teto da boate tal artefato”. “Da mesma forma, estando com o microfone na mão, não foi capaz de alertar as pessoas acerca da existência de fogo no ambiente”, alega o Ministério Público.
Depoimentos
O sócio da Boate Kiss, o vocalista e o produtor da banda Gurizada Fandangueira deram versões contraditórias nos depoimentos à polícia sobre o incêndio. O Jornal Nacional teve acesso ao depoimento das testemunhas.
Já prestaram depoimento à polícia jovens que estavam no local no momento do incêndio, músicos e sócios da boate, entre eles Elissandro Spohr, conhecido como Kiko, que foi ouvido no domingo (27). Ele afirmou que a banda tocava na boate uma vez por mês, mas nunca tinha feito esse show pirotécnico e nunca havia pedido consentimento para que se fizesse esse tipo de apresentação.
Ainda de acordo com o depoimento de Spohr, o teto da boate seria de gesso, com uma camada de lã de vidro acima. No palco, havia uma primeira camada de esponja para isolamento acústico.
O advogado Jader Marques, que defende Spohr, afirmou que não tinha certeza sobre o uso de espuma. “Pode sim ter acontecido que o Kiko, com orientação desse engenheiro, ter adicionado elementos como espuma, parede, madeira, gesso em outros locais fora do projeto do Ministério Público e sem o conhecimento do Ministério Público. Pode isso ter acontecido? Sim, pode, pode ter acontecido.”