No meio da noite, presos fogem de uma casa de detenção por uma escada para buscar drogas. Depois, voltam carregados para dentro da cadeia. As imagens mostradas pelo programa Fantástico na noite deste domingo (19) foram feitas por um agente penitenciário no Instituto Penal de Viamão (IPV), na Região Metropolitana de Porto Alegre, considerado o maior do regime semiaberto no Rio Grande do Sul, com 278 detentos.
As gravações foram obtidas com exclusividade pelo repórter Fábio Almeida, da RBS TV, em Porto Alegre. Nas imagens, um dos detentos aparece em cima do muro. Ele apoia uma escada de madeira na parede e desce para o pátio. Ao todo, 10 detentos caminham tranquilamente para fora da prisão. Alguns usam touca ninja, outros carregam armas. A polícia afirma que eles voltam ao presídio com drogas que serão consumidas e vendidas dentro do IPV.
“Eu jamais pude imaginar uma situação como esta dentro de um presídio”, diz a juíza Liliane Michels Ortiz. As imagens são do fim de 2012, e foram entregues à polícia em janeiro deste ano. No mesmo mês, uma revista no IPV expôs a falta de segurança no local. Os agentes penitenciários encontraram armas até no pátio. Em razão do problema, a Justiça proibiu o ingresso de novos detentos.
“Foram apreendidas muitas armas, uma enorme quantidade de drogas. Celulares, chips e uma coisa que demonstra perfeitamente, e isso não foi apreensão, isso é constatação da precariedade da segurança, é que foram encontradas seis mulheres dentro do presídio. E o presídio é só masculino”, acrescenta a juíza.
“Rola tudo. Rola sexo, rola droga, rola dinheiro, rola arma, traficante”, relata uma prostituta que não se identificou à reportagem. “Eu fiquei dois, três dias. Eu ia, saía e voltava, entendeu? Eu fui para fazer programa. Eu fui atrás de um dinheiro. E aí, como eu uso droga, tinha os dois. Eles me davam o dinheiro e eu usava a droga livremente. Quem é drogada vê tanta droga lá dentro que não quer sair. Vai sair para quê?”, completa a mulher.
Os presos cumprem penas do regime semiaberto. Alguns têm autorização da Justiça para trabalhar e podem passar o dia nas ruas. Mas todos precisam passar a noite atrás das grades. Os confrontos entre a polícia e os criminosos são constantes.
“Eles dão um tempo, eles fazem, como se diz ali, a hora do sol, ou seja, a simulação desta hora do sol. E daqui a uma meia hora, uma hora, eles começam a sair aos poucos. Todos os dias, toda hora”, afirma o tenente-coronel Marcelo Giusti.
Muitos dos que saem, no entanto, não retornam. Somente nos primeiros quatro meses do ano, 280 presos escaparam, o que representa uma média de mais de duas fugas por dia. Nas ruas, a população convive com o perigo.
O comerciante Élgio Luiz da Cunha perdeu a mulher e o enteado, um jovem de 23 anos, que era policial, durante um assalto. No momento do crime, o assassino deveria estar dentro do Instituto Penal de Viamão. Na troca de tiros, o criminoso também foi morto.
“Ele só falou que era um assalto. Quando eu olhei para trás, o Michel já estava caindo, foi um monte de estampidos. O assaltante descarregou 15 tiros. Em questão de minutos desabou o mundo. Foi lastimável também… pelas costas. O sentimento é de impunidade. O trabalhador não tem segurança nenhuma”, lamenta o comerciante.
Criada em 2004, a casa de detenção sempre foi motivo de reclamação na vizinhança. “Ser vizinho é estar no inferno, porque não se tem descanso para comer, não se tem descanso para nada. De dia eles atravessam a hora que eles querem. Ali eles que mandam. Andam armados, de canhão, de revólver, de pistola, de tudo”, relata um morador que não se identificou.
“Eles encostaram o revólver na minha cabeça e ameaçaram me matar. Levaram celular, dinheiro, revistaram todo o carro. Tentaram me colocar no porta-malas”, diz um taxista assaltado na região. Em apenas uma investigação, feita este ano, a Polícia Civil identificou 36 detentos do IPV como autores de assaltos na região. Todos eles serão julgados e podem ter as penas ampliadas.
O superintendente dos serviços penitenciários, responsável pela administração dos presídios gaúchos, disse ao Fantástico que achava que o problema com os buracos nas grades do instituto já estava solucionado, e que vai cobrar explicações da direção. Mas ele reconhece que o local não é seguro.
“A estrutura física daquele local não oferece segurança. Ela está dentro de um parque, nos fundos de um parque, próximo a uma escola, próximo a residências ali ao redor, uma facilidade imensa de evasão. Hoje eu não tenho condições de fechá-lo. Porque eu não tenho um outro local que possa servir de referência, que venha a suprir a deficiência daquela casa. Mas estamos trabalhando sim. Estamos em projetos de construção de quatro casas com capacidade para 150”, destaca o superintendente Gelson Treiesleben.
Enquanto as soluções são discutidas, os criminosos entram e saem à vontade da prisão. “Eles não identificam como regime semiaberto, mas como regime sempre aberto. E esta alcunha colocada aí pela população acabou pegando. Um tom jocoso, um tom de brincadeira, mas que infelizmente é sério e reflete bem a situação que nos vivemos”, salientou Marcelo Giusti.
Nem as câmeras do IPV intimidam os detentos. Nas gravações, eles conversam sobre a presença das lentes apontadas para eles. “Tampa a cara quando sair, que eles estão cuidando por aqui. Tá ali a câmera, ali”, diz um deles. “Não entendi”, responde o outro. “Tá ali a câmera, ali”, repete.