Um acordo de leniência assinado pelo Ministério Público Estadual de São Paulo com a Odebrecht vai permitir que a empreiteira utilize contratos de obras e serviços fechados com a Prefeitura da capital paulista para quitar R$ 21,2 milhões que aceitou devolver aos cofres do Município. O acordo refere-se ao caso envolvendo pagamentos ilícitos que teriam sido feitos ao ex-prefeito paulistano e atual ministro das Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), em troca de vantagens em negócios na cidade. Pelo “termo de autocomposição”, nome técnico do acordo, a Odebrecht poderá parcelar o pagamento em 22 anos – sendo que 70% da quantia deve ser paga em até dez anos – ou ainda descontar total ou parcialmente esse valor de possíveis créditos que
tenha a receber da Prefeitura, como dívidas de contratos antigos. O acordo foi assinado em dezembro por quatro promotores da Promotoria do Patrimônio Público e Social, pelo procurador-geral do Município, Ricardo Ferrari Nogueira, e pelos advogados da Odebrecht.
Para ter validade ele ainda precisa ser homologado pela Justiça. A possibilidade de usar contratos públicos ou precatórios para indenizações envolvendo casos de corrupção é uma inovação feita pelo MP paulista que não existiu nos acordos firmados pela força-tarefa da Lava Jato. Desta forma, a Odebrecht passa a constar como uma empresa idônea que poderá participar de licitações envolvendo obras da Prefeitura e, caso vença o certame, ter o valor da indenização descontado dos pagamentos feitos pelo Município. Segundo o promotor Silvio Marques, os termos do acordo também foram negociados com a gestão do prefeito João Doria (PSDB), interessada em receber os recursos mais rápido. “Você tem duas escolhas: ou obtém isso e as provas ou a vantagem econômica, evidentemente, vai demorar para
pagar.
A empresa se comprometeu a entregar as provas para pegar os agentes públicos. Seguimos a mesma linha da Lava Jato, de não matar a fonte produtiva. É melhor pegar os ovos do que matar a galinha”, defendeu o promotor. O acordo envolve a delação feita pelos executivos da Odebrecht sobre pagamentos ilícitos que teriam sido feitos ao ex-prefeito e ministro Gilberto Kassab entre 2008 e 2014. Nas planilhas da empreiteira, o “Kibe”, codinome atribuído a Kassab na campanha à Prefeitura de São Paulo, em 2008, é destinatário de R$ 3,4 milhões. Já os outros pagamentos, no valor de R$ 17,9 milhões constam como “Chefe Turco” e “Projeto”. Os dados constavam do Drousys, sistema de controle do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, conhecido como departamento de propinas. Kassab foi delatado pelos executivos Benedicto Júnior e Paulo Cesena, da Odebrecht. Segundo os delatores, entre 2008 e 2014, houve pagamentos de vantagens indevidas para o ministro em montante superior a R$ 20 milhões.
Os repasses teriam como objetivo “obter vantagens” de Kassab na condição de prefeito de São Paulo e, depois, de ministro das Cidades do governo Dilma Rousseff. Em maio de 2017, as delações da Lava Jato envolvendo obras públicas estaduais e municipais foram distribuídas na Promotoria do Patrimônio Público para promotores apurarem a responsabilidade cível dos agentes públicos – na esfera criminal, o caso de Kassab está no Supremo Tribunal Federal (STF) porque o ministro tem foro privilegiado. Em dezembro, o MP moveu ação judicial cobrando devolução de R$ 85 milhões de Kassab.
Em nota, a assessoria do ministro diz que “trata-se de tema recorrente, abordado sob diferentes versões e afirmações absurdas”. Segundo a nota, “o ministro reafirma a lisura e tranquilidade de sua conduta e ratifica sua absoluta confiança no Judiciário e no Ministério Público”. Com o acordo, a Odebrecht se compromete a cooperar com as investigações envolvendo os agentes públicos envolvidos, fornecendo informações e provas dos malfeitos. Em troca, a empreiteira deixa o polo passivo da ação feita contra ela e Kassab em dezembro e todas as empresas do grupo ou executivos e ex-diretores ficam imunes a qualquer ação futura envolvendo os fatos delatados. Além disso, fica livre para assinar novos contratos com a Prefeitura. Os advogados que assinaram o acordo não foram localizados.




