Protegi um perseguido político, como a presidente foi, diz Saboia

saboya3Eduardo Saboia, diplomata brasileiro que assumiu ter sido o responsável por trazer o senador boliviano Roger Pinto para o país, disse na madrugada desta segunda-feira (26) que, ao tomar a decisão, quis proteger “um perseguido político, como a presidenta Dilma foi perseguida”. Saboia fez a afirmação ao desembarcar no aeroporto de Brasília no início da madrugada.

O senador Roger Pinto Pinto chegou no domingo (25) a Brasília após deixar La Paz com um carro da Embaixada brasileira. O senador estava asilado na embaixada brasileira na Bolívia havia mais de um ano, alegando perseguição política do governo Evo Morales. A vinda dele ao país não havia sido autorizada nem pelo governo boliviano nem pelo brasileiro.

“Eu escolhi a vida. Eu escolhi proteger uma pessoa, um perseguido político, como a presidenta Dilma foi perseguida”, afirmou Saboia no aeroporto de Brasília. Ele foi chamado pelo Itamaraty para prestar esclarecimento.

Em entrevista ao Fantástico de domingo, Saboia admitiu que foi dele a decisão de trazer o senador boliviano ao Brasil.

No aeroporto, Saboia foi perguntado sobre o que esperava do Itamaraty. “Não sei, vamos ver”, respondeu.

“Eu escolhi a porta estreita e lutei o bom combate. Eu não me omiti. Eu optei pela vida e eu salvei a honra do meu país, que eu defendo sempre”, concluiu.

Entrevista

No Fantástico, Saboia disse que conduziu a operação de trazer Roger Pinto “pois havia o risco iminente à vida e à dignidade do senador”.

“Havia uma violação constante, crônica de direitos humanos, porque não havia perspectiva de saída, não havia negociação em curso e havia um problema de depressão que estava se agravando. Tivemos que chamar um médico e ele começou a falar de suicídio, ele dizia constantemente que queria que nós o tirássemos de lá e advogados dele também dizendo isso”, afirmou o diplomata brasileiro.

Saboia disse que percebeu que o quadro do político podia degenerar porque Pinto “passou 452 dias em um cubículo” ao lado de sua sala. “Eu me sentia como se tivesse o DOI-Codi [orgão de repressão da ditadura militar] ao lado da minha sala de trabalho. Um confinamento prolongado e sem perspectivas.”

O diplomata disse que tentou negociar a vinda do senador ao Brasil sem sucesso e falou que faltou “empenho” para solucionar o caso. “Eu estive em Brasília duas vezes, dizendo que a situação estava ruim. Pedi para sair de La Paz, porque disse que não ia compactuar com uma situação que atenta à dignidade da pessoa humana e à honra do meu país”, afirmou. “Eu não preciso de instruções específicas para situações de urgência.”

Saboia disse que houve um pedido do Itamaraty para que ele não desse declarações logo que chegou ao Brasil com o político boliviano, mas afirmou que mudou de ideia após o órgão soltar uma nota mencionando o seu nome.

O Itamaraty não quis comentar as declarações do diplomata.

Roger Pinto saiu da Embaixada brasileira em La Paz às 15h da sexta-feira (23). Foram usados dois carros da representação brasileira. O da frente, com fuzileiros navais, fazia a segurança do outro veículo, que trazia o senador boliviano ao lado do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, encarregado de negócios da representação. Foram percorridos 1.600 km em direção a Corumbá (MS). A viagem até a fronteira durou 22 horas.

Na chegada ao Brasil, Roger Pinto disse que fez “boa viagem”. “Devo agradecer a todo o Brasil e suas autoridades”.

Questionado se temia o fato de ter vindo ao Brasil sem a Bolívia conceder salvo-conduto, documento que garante o livre trânsito em determinado território, e se isso podia atrapalhar as negociações para asilo político, Pinto preferiu não responder e disse “esperar um momento oportuno” para falar, “uma vez que conheça a decisão das autoridades”. “Espero que continue meu asilo, eu tenho asilo e espero que continue”, afirmou.

Neste domingo, a ministra boliviana da Comunicação, Amanda Davila, disse que a ida do senador boliviano ao Brasil não afetará as relações com o país. “Este caso não afeta as relações com o Brasil. Relações entre a Bolívia e o Brasil são mantidas em uma situação de absoluta cordialidade e respeito”, disse a ministra, numa conferência de imprensa no Palácio do Governo da Bolívia.

No sábado (24), Amanda havia dito que se Pinto não estivesse mais na Bolívia, ele deixaria de ter status de refugiado e passaria a ser considerado “foragido da Justiça, sujeito à extradição”.

Pareceres contrários

Em junho deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria Geral da República (PGR) e o Itamaraty se posicionaram contra a ajuda ao senador boliviano Roger Pinto, que queria deixar a Bolívia rumo ao Brasil. As informações prestadas pelo secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo dos Santos, estão inclusas nos pareceres e balizaram posicionamentos da AGU e da PGR encaminhados ao Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação apresentada pelo político boliviano.

No processo protocolado no dia 16 de maio no STF, a defesa do senador questionou a atuação do governo brasileiro na resolução de seu caso e pediu um carro para deixar a Bolívia. O advogado Tibúrcio Peña afirmou que o senador teve direito de circulação restrito e que não podia ter contatos externos por determinação do governo brasileiro. O documento cita ainda que o Itamaraty, órgão do governo que negocia a situação do senador, agia com “inércia”, contrariando tratados internacionais.

Acionadas pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello, relator do habeas corpus pedido pela defesa de Pinto, a AGU e a PGR se manifestaram contra possibilidade de governo brasileiro conceder carro diplomático ao senador com base em informações do Itamaraty. Marco Aurélio informou ao G1 neste domingo (25) que vai arquivar o processo porque houve “perda de objeto”.

“Com a vinda do senador para o Brasil, o objeto está prejudicado, já que o habeas corpus pedia a saída da Bolívia”, disse.

O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo dos Santos, informou à AGU que a vinda de Roger Pinto sem o salvo-conduto poderia “anular o efeito prático do asilo”.

“Uma decisão que determine a saída do senador Roger Pinto Molina da Embaixada sem a concessão de salvo-conduto e de garantias de segurança pelas autoridades bolivianas, por sua vez, impossibilitaria o Brasil de conceder qualquer forma de proteção jurídica ao senador, tornando sem qualquer efeito prático o asilo diplomático concedido, que desapareceria ipso facto”, diz no parecer da AGU.

Neste domingo, o Ministério das Relações Exteriores informou, por meio de nota, que abrirá inquérito para apurar as circunstâncias da transferência para o Brasil do senador senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado havia mais de um ano na embaixada brasileira em La Paz.

Segundo a AGU, o governo brasileiro não podia conceder carro diplomático, uma vez que há decisões da Justiça boliviana restringindo a possibilidade de o senador deixar o país.

“Os pedidos formulados pelo impetrante não são juridicamente possíveis, isto é, se o governo brasileiro propiciar ao paciente o veículo requerido para que possa sair da Bolívia, estaríamos violando a ordem internacional, descumprindo decisões judiciais de tribunais bolivianos, que já decidiram que o paciente não pode deixar o país.”

Conforme a AGU, para que o senador deixe o país seria necessário um salvo-conduto por parte do governo boliviano, documento que o Brasil não pode obrigar a ser concedido por ser prerrogativa daquele país.

“O Brasil deu início a intensas negociações, com o objetivo de obter o salvo-conduto, sem o qual o paciente não consegue deixar a Bolívia”, argumentou a AGU.

Para o então procurador-geral Roberto Gurgel, contrário ao habeas corpus, como Pinto Molina foi beneficiário do asilo diplomático, “não se pode concluir que houve violência ou coação em sua liberdade de locomoção”.

(G1)

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