Relator vota no STF pela legalidade do aborto de feto sem cérebro

‘No caso do anencéfalo, não existe vida possível’, disse Marco Aurélio Mello. Ação em julgamento pede permissão de interrupção da gravidez nesse caso.

Plenário do Supremo no julgamento de ação que pede liberação de aborto para anencéfalos (Foto: Carlos Humberto / SCO / STF)

Relator de ação proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, o ministro Marco Aurélio Mello votou a favor da descriminalização do aborto de fetos sem cérebro em julgamento nesta quarta-feira (11) no Supremo Tribunal Federal. O ministro defendeu que é inconstitucional a interpretação segundo a qual interromper a gravidez de feto anencéfalo é crime previsto no Código Penal.

A entidade pede que o Supremo interprete o Código Penal para permitir que, em caso de anencefalia, a mulher possa escolher interromper a gravidez. Por lei, o aborto é crime em todos os casos, exceto se houver estupro ou risco de morte da mãe.

“Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal”, afirmou o ministro.

O ministro afirmou que, com base na liberação do aborto de fetos “viáveis” em casos de estupro, não se pode deixar de “proteger a saúde mental” da mulher grávida de um feto anencéfalo.

“Parece-me lógico que o feto sem potencialidade de vida não pode ser tutelado pelo tipo penal que protege a vida”, afirmou Marco Aurélio Mello.

O ministro também afirmou que a decisão “cabe à mulher e não ao Estado”. “Cumpre à mulher, em seu ritmo, no exercício do direito à privacidade, sem temor de reprimenda, voltar-se para si mesma, refletir sobre as próprias concepções e avaliar se quer ou não levar a decisão adiante. Ao Estado não é dado intrometer-se. Ao Estado compete apenas se incumbir do dever de informar e prestar apoio médico e psicológico a paciente antes de depois da decisão, seja ela qual for.”

A decisão do Supremo sobre o assunto terá de ser aplicada pelas demais instâncias da Justiça em casos semelhantes. Como o texto não trata de anencefalia, há anos juízes e tribunais têm decidido caso a caso sobre a interrupção da gravidez – em muitos deles, concedendo os pedidos. Em outros, a ação perdeu o objeto em razão da demora – quando o processo chegava às mãos do juiz, o parto já havia ocorrido.

Religião x Ciência

Em seu voto, o ministro afirmou que no Brasil já foram proferidas cerca de 3 mil autorizações judiciais para a interrupção da gravidez de fetos sem cérebro. Ele citou ainda dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo os quais o Brasil é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia fetal, atrás de Chile, México e Paraguai. Segundo o ministro, um a cada mil nascimentos no Brasil é de feto sem cérebro.

Marco Aurélio ressaltou a necessidade de separação entre o Estado e as crenças religiosas quando se trata de direitos dos cidadãos. Para o ministro, a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos não pode ser analisada sob o foco de orientações religiosas.

“Concepções religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa ou a ausência dela serve precipuamente para ditar a vida privada do indivíduo que a possui. Paixões religiosas de toda a ordem hão de ser colocadas à parte das decisões do estado”, afirmou o relator.

Mello citou frase do Padre Antônio Vieira, ao falar da importância dos avanços da sociedade “no campo do pensar”. “E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma, e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas com o tempo, por isso nem ele nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e revolução insuperável passar, e ir passando sempre”, citou o ministro.

Boa parte do voto do ministro foi dedicada à questões científicas apresentadas por especialistas ao Supremo durante audiência pública realizada em 2008. Marco Aurélio afirmou que, do ponto de vista técnico, especialistas consideram o feto sem cérebro “um natimorto neurológico”. Para ele, não é possível falar em deficiência, pois não há expectativa de vida do feto fora do útero da mãe.

Com base na mesma ideia, Mello também afastou o argumento de que o aborto do anencéfalo seria eugenia, prática usada por nazistas para evitar o nascimento de crianças com deficiências.

“O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida”, disse o ministro.

Ele lembrou ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem condições técnicas de fazer o diagnóstico “seguro” da anencefalia, possível por meio de ultrassonografia a partir da 12ª semana de gravidez.

Depoimentos

As conseqüências psiquiátricas da obrigação de levar ao fim a gravidez de feto sem cérebro foram relatadas pelo ministro. Mello leu em plenário depoimentos de mulheres que contaram sobre momentos de angústia e depressão dela e da família.

Segundo ele, o sofrimento imposto pelo Estado ao proibir a interrupção da gravidez de anencéfalo é considerado por especialistas como forma de “tortura” e pode levar a quadro psiquiátrico grave de depressão, transtorno, estresse pós-traumático e tentativa de suicídio.

“Enquanto numa gestação normal são nove meses de acompanhamento com a predominância do amor, quando com a alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança. Na gestação do feto anencéfalo, reinam sentimentos mórbidos de dor, tristeza, desespero, angústia e luto dada a certeza do óbito”, disso ministro.

No Congresso

Parlamentares das bancadas evangélicas e católicas pediram abertura de processo por crime de responsabilidade e pedem o “impeachment” do ministro de Marco Aurélio por suposta antecipação do voto no caso dos anencéfalo. Ele teria dado entrevistas a veículos de imprensa antes desta quarta, alegam os parlamentares.

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