Seis dos municípios mais pobres do país não aderem ao Mais Médicos

Seis das 32 cidades mais carentes do país — com índice de desenvolvimento humano (IDH) “muito baixo”, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) — não se inscreveram no programa Mais Médicos, segundo cruzamento de dados feito pelo G1 com dados do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O Mais Médicos foi criado para levar médicos aos municípios mais vulneráveis do país, mas os dados mostram que 320 dos 1.400 municípios com piores índices de desenvolvimento (baixo e muito baixo) não se inscreveram para receber os médicos. São áreas de IDH “baixo” e “muito baixo”, segundo o Pnud, a maioria na Paraíba (78), Maranhão (35), Alagoas (32) e Piauí (30).

O G1 procurou os gestores das seis cidades e foi até as duas de pior IDH que não se inscreveram: Manari (PE) e Caxingó (PI). Apesar da realidade social precária, as prefeituras alegam não precisar de mais médicos. Caxingó diz que a vinda de mais um profissional comprometeria as finanças municipais.

Ipixuna do Pará (PA) e Cachoeira do Piriá (PA) também afirmam ser “muito caro” manter o novo médico. Já as prefeituras de Jordão (AC), Chaves (PA) e também de Ipixuna do Pará disseram que não conseguiram efetuar o cadastro em nenhuma das etapas do programa.

Para participar do Mais Médicos, as cidades devem atender a um dos requisitos definidos pelo Ministério da Saúde: demostrar que 20% de sua população é vulnerável; estar entre os cem municípios com os mais baixos níveis de receita pública per capita; estar situado em distrito especial indígena, ser capital ou estar em região metropolitana.

O Ministério da Saúde afirma que o Programa Mais Médicos tem como objetivo ampliar o atendimento nas unidades básicas de saúde. “O programa é uma resposta à demanda dos próprios prefeitos, que não conseguiam contratar médicos para atuar nos municípios, principalmente municípios do interior” e “até o momento, 4.025 municípios já aderiram ao programa”, diz em nota. A pasta também afirma que não detectou problemas de inscrição de cidades, mas que ainda apura o que ocorreu nesses municípios.

Muito caro

“Nossa cidade é uma cidade sem arrecadação. Perderíamos recurso”, afirma o secretário de Saúde de Caxingó (PI), de 5 mil habitantes, Antonio Bruno Fontinele da Silva, sobre o Mais Médicos.

“Nós teríamos que arcar com despesas de alimentação, hospedagem e deslocamento para manter esse profissional e não temos de onde tirar. Já gastamos além dos 15% destinados à saúde para dar conta das equipes e unidades de atendimento que temos na cidade”, disse a prefeita Rita Sobrinho (PT).

Para Organização Mundial de Saúde (OMS) ideal é ter 1 médico a cada mil habitantes. Segundo o governo, o Brasil possui 1,8 médico para mil habitantes, número baixo comparado a Argentina (3,2) e Espanha (4). Classe médica diz que não há escassez de profissionais, e sim, má distribuição.

Segundo o secretário, os profissionais que atuam hoje na cidade são suficientes para realizar todo o atendimento básico e os casos urgentes são encaminhados ao hospital de Parnaíba, município de 150 mil habitantes, a cerca de 1h30 de distância, que atende outras nove cidades vizinhas.

“Lá, para conseguir um ultrassom, não consegue marcar. Tudo é uma questão de equipamento. Os profissionais não têm como fazer milagre”, defende.

“A gente acha um contrassenso. O governo pensa que é só colocar médico. Pegamos unidades completamente sucateadas. Não tinha nem balança. O problema não é médico. Não tem a infraestrutura”, reclama Silva.

O Ministério da Saúde afirma também que, “além de pagar diretamente pelo médico, ainda repassa mais R$ 4 mil para o município compor a equipe de saúde da família”. “O Ministério da Saúde fará o pagamento da bolsa diretamente ao médico, no valor de R$ 10 mil. Antes, os municípios que tinham que contratar os médicos diretamente e arcar com esse custo. Agora, esse custo será federal e os municípios ficam a cargo de alimentação e moradia desses profissionais.”

Especificamente no Piauí, foram investidos R$ 67,7 milhões para obras em 507 unidades de saúde e R$ 18 milhões para compra de equipamentos para 98 unidades. “Também foram aplicados R$ 26,3 milhões para construção de 12 UPAs e R$ 93,7 milhões para reforma/construção de 10 hospitais”, diz a pasta em nota.

Gastos extras

Cachoeira do Piriá (PA) também diz não ter recursos financeiros para receber um profissional do Mais Médicos. A cidade, assim como todas as seis não incluídas no programa, tem a maior parte de sua população na zona rural.

“Não temos condições de manter um médico na zona rural de segunda a sexta. É muito caro. Ele teria que se deslocar 100 quilômetros na terra batida, três horas, para atender”, afirma o secretário de Saúde, Tellyson Araújo. “Isso giraria em torno de R$ 4 mil por mês a mais em cada posto, é um negócio que não está atraindo.”

Não temos condições de manter um médico na zona rural de segunda a sexta. É muito caro”

Tellyson Araújo, secretário de Saúde de Cachoeira do Piriá

A cidade tem seis postos e seis médicos, mas não possui hospital, ambulância e nenhuma condição para que um exame mais complexo seja realizado por seus 26,5 mil habitantes. “O médico aqui não vai realizar um bom trabalho. Não vai ter como passar medicamento, exame. Para fazer um ultrassom são dois, três meses”, afirma o secretário.

O gestor afirma, no entanto, que o município se inscreveria no programa caso o governo aumentasse a contrapartida em infraestrutura. “Tinha que ser os dois, médico e estrutura. Falta complementar o programa. Os médicos querem vir, pagando ele vem. Aí não tem dúvida que a gente ia se inscrever”, completa.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que, no Pará, foram investidos R$ 67,7 milhões para obras em 507 unidades de saúde e R$ 18 milhões para compra de equipamentos para 98 unidades. Também foram aplicados R$ 26,3 milhões para construção de 12 UPAs e R$ 93,7 milhões para reforma/construção de 10 hospitais.

Hepatite

Em meio a um surto de hepatite, a cidade de Manari, no Sertão Pernambucano, tem pior IDH de Pernambuco. O G1 foi até o município, onde encontrou postos de saúde onde não há médicos todos os dias, relatos de mortalidade infantil e uma escola onde 14 crianças haviam contraído hepatite A.

A coordenadora interina da Atenção Básica de Saúde, Marília Carla de Oliveira, afirmou que “não existe a necessidade de solicitar [Mais Médicos]”. “Profissionais a mais não fariam diferença, pois a escala de médicos da saúde básica está completa”, disse.

Depois que a equipe de reportagem havia retornado do município, a secretária de Saúde, Sibele Monteiro, se manifestou em nota. Segundo ela, “o município ainda não aderiu ao Mais Médicos, pois estávamos negociando com os brasileiros mesmo”. “Mas como está difícil encontrarmos, estamos pensando, sim, em aderir ao programa”, informou.

A agricultora Maria Santina da Silva, de 65 anos, mora no povoado Alto Vermelho, em Manari, contou sofrer de pressão alta, mas não conseguiu atendimento médico na Casa de Saúde João Paulo II, em janeiro. “Tive que viajar para Tupanatinga [a 38 km de distância] em carro fretado”, diz. Segundo ela, dos 17 filhos que teve, apenas cinco sobreviveram. “Dos que morreram, só um chegou a fazer um ano, por causa das dificuldades”, relata.

Manari tem um dos piores índices de mortalidade infantil do país: 41,1 crianças que não vão sobreviver ao primeiro ano de idade a cada mil nascidas vivas. A média brasileira é de 16,7.

Para o atendimento básico, a Secretaria Municipal de Saúde afirma que existem três médicos para quatro postos, mas que serão construídos mais quatro postos. Segundo a secretária, no entanto, o Ministério da Saúde poderia ajudar mais o município “na liberação de equipamentos, remédios, exames”. Sobre o surto de hepatite, ela diz que todos os casos estão sendo acompanhados por equipes de saúde da família e que aguarda laudos sobre possível contaminação da água na cidade.

Para Pernambuco, o Ministério da Saúde informou que realizou investimentos de R$ 117,4 milhões para obras em 824 unidades de saúde e R$ 5 milhões para compra de equipamentos para 166 unidades. Também foram aplicados R$ 24 milhões para construção de 15 UPAs e R$ 101,3 milhões para reforma/construção de 40 hospitais.

Sacrifício

Já em Ipixuna do Pará (PA), o secretário Stelio Junior afirma que iria pedir pelo menos dois médicos, mas não conseguiu fazer a inscrição. É o município mais populoso entre os de pior IDH que não se inscreveram no Mais Médicos: 51.309 habitantes. “Passamos as 48 horas antes do encerramento tentando acessar o sistema”, afirma.

Segundo a prefeitura, no entanto, o investimento seria “sacrifício” para a cidade, que conta hoje com oito médicos e nove unidades de saúde. “Teria que ter outra equipe de retaguarda para trabalhar com esses médicos”, afirma Junior.

Aqui é diferente de outras cidades, a população é concentrada na zona rural. Isso encarece o custo de tratamento, ações ficam mais caras e mais complexas.”

Stelio Junior, secretário de Saúde de Ipixuna do Pará

“Aqui é diferente de outras cidades, a população é concentrada na zona rural. Isso encarece o custo de tratamento, ações ficam mais caras e mais complexas. Temos uma comunidade a 170 quilômetros para atender. Precisa pagar alimentação, combustível, motorista para esse médico chegar lá”, argumenta.

No Pará, o ministério diz que já foram investidos R$ 109,8 milhões para obras em 711 unidades de saúde e R$ 4,9 milhões para compra de equipamentos para 119 unidades. “Também foram aplicados R$ 57,3 milhões para construção de 33 UPAs e R$ 38 milhões para reforma/construção de 24 hospitais”, diz em nota.

Falha

Em Jordão, no Acre, também houve problema na inscrição, segundo o secretário de Saúde, Antonio Cleidinei da Silva Castro. No município, 58% dos domicílios não tem acesso a energia elétrica e quase 70% está na linha da pobreza.

“Mandei vários e-mails. Tenho até número de protocolo. Foi um problema no ministério, liguei no 136, mas até agora nada. Aqui a internet, telefone, é muito ruim. Mas vamos tentar entrar na próxima chamada”, afirma Castro.

Segundo o secretário, há postos de atendimento suficientes, mas o salário de R$ 8 mil, pagos pelo município, não atrai os profissionais. “Precisamos de dois médicos. Temos dois, mas um pediu aviso prévio. Eles falam que têm propostas maiores em outros municípios. A gente fica dependendo de favor deles”, diz.

São 6.577 habitantes, mais da metade na zona rural. “Nossa esperança é conseguir aderir por pelo menos mais um médico. Se não der certo na próxima, tem que correr atrás. Se não convencer, procura outro. Não pode é parar o serviço”, afirma o secretário, que vai tentar nova inscrição na próxima fase.

Para os gestores, seria preciso uma contrapartida maior para que mais médicos pudessem ser contratados. “Nossas unidades estão sendo reformadas com recurso do Ministério da Saúde, mas ainda é muito pouco para ter medicamento, equipamentos. O programa não resolve. É uma medida emergencial que precisa ser complementada com outras ações, em curto médio e longo prazo”, avalia Junior.

“Já foram investidos R$ 22,3 milhões para obras em 95 unidades de saúde e R$ 6,8 milhões para compra de equipamentos para 91 unidades. Também foram aplicados R$ 5,9 milhões para construção de 3 UPAs e R$ 70,1 milhões para reforma/construção de 18 hospitais”, diz o Ministério da Saúde.

Cadastro

Em Chaves (PA), às margens do Rio Amazonas, a prefeita Solange Lobato desligou o telefone depois que a repórter do G1 se identificou e não atendeu mais. Antes, Angelino Lobato, identificado como assessor, afirmou que o município se cadastrou no programa, mas que o cadastro falhou. “Não sabemos o que aconteceu.”

A administração é alvo de ação na Justiça Federal do Pará por irregularidades no Sistema Único de Saúde (SUS), baseada em relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), que constatou remédios vencidos, falta de vacinas, nenhum atendimento odontológico, tendência de aumento de casos de malária e até material hospitalar em um banheiro de uma unidade mista de saúde.

Segundo o procurador regional dos direitos do cidadão, Alan Rogério Mansur Silva, que entrou com a ação civil pública, a situação é de “caos” em alguns municípios mais distantes no Pará. Em alguns só é possível chegar por via fluvial. Em Chaves, 85,3% dos domicílios não possuem abastecimento de água ou tratamento de esgoto adequados.

“É a falta de estrutura de trabalho e falta de profissional também, porque o médico sozinho não faz nada”, afirma. “Nessas cidades temos a ‘ambulancioterapia’: coloca na ambulância e manda para Belém.”

O G1 voltou a entrar em contato com a prefeitura de Chaves, mas não obteve retorno até a publicação.

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