A sessão da comissão especial do impeachment no Senado para ouvir os juristas Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal nesta quinta-feira (29) foi tumultuada, teve bate-boca entre os parlamentares, e terminou só na madrugada de sexta, após nove horas. Os dois juristas ouvidos pelos senadores são autores do pedido de impedimento da presidente Dilma Rousseff.
Em seus depoimentos, eles reiteraram que o processo não é “golpe”, ao contrário do que acusa o governo, que tem caráter técnico jurídico-político, e afirmaram que há provas de que Dilma cometeu crime de responsabilidade para justificar o impeachment.
“Nunca vi crime com tanta impressão digital”, disse Miguel Reale Júnior ao comentar a edição de decretos liberando créditos extraordinários sem o aval do Congresso – um dos pontos que fundamentam o pedido de impeachment.
Os autores da denúncia foram os primeiros a serem ouvidos pelo colegiado, que votará um relatório recomendando a instauração ou o arquivamento do processo no Senado. Caso o parecer seja favorável à abertura do julgamento, a petista será afastada por 180 dias e o vice Michel Temer assumirá a Presidência da República.
Clima tenso
A sessão transcorreu na maior parte do tempo em clima tenso, com trocas de farpas e acusações entre senadores governistas e oposição. Logo no início, senadores da base aliada questionaram a isenção do relator da comissão, Antonio Anastasia (PSDB-MG), para conduzir o processo. Em reação, oposicionistas acusaram petistas de tentarem “sabotar a comissão”.
As discussões se arrastaram por mais de uma hora e meia sobre a votação de requerimentos antes que Reale Júnior pudesse começar a falar. Ele abriu a sua exposição lamentando que o pedido “tenha servido de oportunidade para que se homenageasse um torturador”.
Reale Júnior se referia ao voto do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que, ao proferir seu voto na votação do impeachment na Câmara, citou o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador durante o regime militar.
Ao tratar do impeachment, o jurista sustentou que as “pedaladas fiscais”, de que o governo Dilma é acusado de praticar, tiveram como objetivo fazer com que a petista vencesse as eleições presidenciais em 2014.
As chamadas pedaladas, apontadas como um dos argumentos para o impeachment, são manobras de atraso de repasses do Tesouro Nacional a bancos públicos para pagar benefícios sociais com o objetivo de melhorar artificialmente a situação fiscal do país. As práticas, segundo os juristas, caracterizam crime de responsabilidade. Para Reale, o governo agiu de maneira irresponsável para maquiar as contas públicas e prejudicou a população.
Sobre a edição pelo governo de decretos liberando crédito extra sem a autorização do Congresso Nacional, outro ponto da denúncia, Reale afirmou que Dilma tinha pleno conhecimento de que praticava um “ato indevido”. O jurista foi questionado por apenas um senador porque precisou deixar a comissão no meio para retornar a São Paulo.
Janaína Paschoal
A professora de direito Janaína Paschoal, que falou após Reale, disse que há “crime de sobra” para justificar o impeachment de Dilma e defendeu que os senadores levassem em conta na análise do processo as investigações da Operação Lava Jato, que apura desvios de dinheiro da Petrobras.
Aliados do Palácio do Planalto discordaram e, por diversas vezes, lembraram da decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que limitou a aceitação da denúncia às pedaladas e aos decretos orçamentários editados sem autorização do Congresso.
“O ofício enviado pela Câmara: o presidente da Câmara comunica a autorização, dada por aquela Casa, da instauração do processo por crime de responsabilidade, em virtude da abertura de créditos suplementares e em relação, novamente, ao Plano Safra. Então, ela [Janaína] vem aqui, fala de tudo, menos dessas duas questões”, criticou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
Durante as discussões, o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), disse que o presidente da Câmara não acatou o trecho da denúncia que dizia respeito à Lava Jato “por razão óbvia”. “Foi excluído (…) porque ele não era conveniente nem à Presidente Dilma Rousseff nem, tampouco, ao Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aliados nesse momento no combate à Lava Jato”, afirmou.
Janaína nega filiação ao PSDB
Em diversos momentos, Janaína foi questionada sobre a sua ligação com o PSDB. No ano passado, ela colaborou com um parecer feito por Reale Júnior encomendado por tucanos. A professora de direito reconheceu que participou do trabalho e que recebeu R$ 45 mil pela empreitada, mas negou ser filiada a qualquer partido e criticou ainda a oposição feita pelo PSDB, que considera “fraca”.
Para se justificar, ela listou uma série de atividades que realizou para órgãos ligados a governos tucanos e também outros sob gestão petista.
Nem ‘pastora’, nem ‘mãe de santo’
Com um discurso muitas vezes inflamado, a jurista se emocionou em alguns momentos e se exaltou em outros. Com os olhos marejados e a voz embargada, chamou a Constituição Federal de “livro sagrado” e disse que queria que “as criancinhas, os brasileirinhos” acreditassem “que vale a pena lutar por esse livro sagrado”.
Janaína também contou que se sensibilizou quando, certa vez, viu uma entrevista da presidente Dilma em que ela relatava ter tido vontade de ser bailarina. “Eu falei: ‘É uma mulher firme, de alma sensível’. Eu criei uma expectativa enorme. [Mas] A bailarina se perdeu. A bailarina se perdeu e não me deixou alternativa”, disse.
Quase ao final da sessão, quando havia poucos senadores presentes na comissão, Janaína se irritou e gritou quando o senador Telmário Mota (PDT-PR) a questionou sobre um cliente seu que foi acusado de bater na mulher.
“Não quero falar dos meus clientes aqui dentro. Isso fere o meu papel de advogada e não vou admitir. Meus clientes são sagrados e o sigilo profissional também. Vamos aos fatos. Tem coisas que têm limites. Me xinguem do que quiserem, meus clientes são sagrados”, bradou.
Michel Temer
Questionada por que não pedia também o impeachment do vice-presidente daRepública, Michel Temer, ela disse que não via indícios fortes para isso. “Hoje, não há elementos para pedir o impeachment do vice-presidente Michel Temer. Se tiver, eu peço”, afirmou.
Durante o seu depoimento, Janaína também comentou um discurso que fez em São Paulo e que ganhou repercussão em um vídeo que circulou na internet. Ela contou que foi procurada por jornalistas, inclusive de outros países, que questionaram se ela praticava alguma atividade religiosa.
“Depois do meu discurso no Largo de São Francisco, eu tenho recebido telefonemas de jornalistas até do exterior, perguntando se eu sou pastora ou se sou mãe de santo. E eu respondo a eles: ‘eu não tenho a iluminação necessária nem para ser pastora, nem para ser mãe de santo’”, disse.
Comissão especial na sexta-feira
Nesta sexta-feira (29), será a vez da defesa de Dilma, a ser apresentada pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e os ministros Nelson Barbosa (Fazenda) e Kátia Abreu (Agricultura).
Do G1