Mesmo sendo considerada como um caminho para a reinserção de detentos à sociedade, instrumento de diminuição da reincidência criminal e contraponto à “escola do crime”, a educação formal alcança apenas 10,2% dos presos brasileiros. Do total de 574.027 pessoas privadas de liberdade no País, apenas 58.750 têm acesso à escolarização.
Os dados oficiais foram fornecidos pelo Ministério da Justiça (MJ). O quadro de acesso à educação nas prisões se torna ainda mais “catastrófico”, segundo especialistas, quando é analisado o perfil de escolaridade da população prisional. Quase metade dos detentos brasileiros nem sequer têm ensino fundamental completo. E mais de 25 mil são analfabetos. Ou seja, demanda é o que não falta, já que 90% dos presos não terminaram a educação básica.
E esse cenário de descaso não está presente apenas em regiões específicas, mas sim em todo o Brasil, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
“O problema é uma realidade presente por todos os Estados brasileiros. O sistema carcerário acaba bloqueando o direito à cidadania dos detentos, por ele [o sistema carcerário] não compreender que o preso que está cumprindo a pena é um cidadão com direitos. Além da educação, o direito ao trabalho e à saúde também são negligenciados”, diz Cara.
O descaso é confirmado pela Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação, que fez uma pesquisa in loco em prisões brasileiras. “Informações e análises diversas apontam a profunda precariedade do atendimento educacional no sistema prisional brasileiro que enfrenta graves problemas de acesso e de qualidade marcados pela falta de profissionais de educação, projeto pedagógico, infraestrutura, formação continuada e materiais didáticos”, conclui a pesquisa, conduzida pela educadora Denise Carreira.
Segundo Denise, que é coordenadora da ONG Ação Educativa, a oferta de educação nas prisões ainda enfrenta resistências de agentes e direções de unidades prisionais. “Ainda há problemas de desarticulação entre organismos do Estado, falta de planejamento, baixo investimento financeiro e inexistência de diagnósticos precisos”, diz o estudo publicado em 2009.
Para tentar melhorar essa situação, foram produzidas, em 2010, as diretrizes nacionais para a oferta de educação nas prisões pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
“Antes, a Lei de Execução Penal de 1984 era abrangente. Assim, cada Estado organizava ou não a educação nas prisões, conforme preferência e vontade política do gestor. Era comum presos com mais instrução, mas sem formação para a docência, ensinarem para os colegas sem escolarização”, afirma a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Mariângela Graciano, especialista no tema.
Desafios
Para Mariângela, a oferta de educação nas prisões precisa enfrentar alguns desafios. “As pesquisas mostram que as pessoas presas demonstram interesse em estudar. O problema é que, muitas vezes, o horário do estudo coincide com trabalho. Muitos presos precisam trabalhar nas prisões para sustentar suas famílias que estão do lado de fora”, comenta a pesquisadora da Unifesp.
Segundo a especialista, para que os presos possam ter acesso ao ensino noturno será preciso propor uma mudança de organização nas unidades prisionais. “Esse é um grande entrave. Por razões de segurança, muitas penitenciárias acabam não oferecendo o ensino noturno. Mas as diretrizes do CNE preveem o oferecimento do ensino à noite, aliado com o ensino profissionalizante”, fala Mariângela.
“A questão é que mesmo havendo normativos nesse sentido, não significa que eles são cumpridos. A história da educação nas prisões só está começando agora. Basta lembrar que até 2006 [ano de início das discussões sobre o tema junto à sociedade civil], o governo nacional não tinha tomado nenhuma atitude para organizar a educação nas prisões. Eram os grupos religiosos que ofertavam cursos de alfabetização”, diz a pesquisadora.
Muitos presos interessados nos estudos, veem na educação ofertada na prisão uma forma até de preenchimento do tempo livre. Sem falar que a atividade educacional funciona como instrumento de remição da pena. Três dias estudados (cerca de 18 horas), equivalem a um dia remido na pena.
“Se considerarmos que o aprisionado fica pouco mais que oito horas fora da tranca, uma série de atividades pode ser planejada, e as horas de isolamento podem ser ressignificadas como horas de construção de uma comunidade de aprendizagem”, diz estudo produzido pelos pesquisadores Elenice Onofre, da Universidade Federal de São Carlos, e Elionaldo Julião, do programa de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense.
Atuação articulada
Segundo o Conselho Nacional de Educação (CNE), para melhorar o quadro de baixa oferta de educação nas prisões, o Estado precisa atuar de forma articulada.
“Cabe às secretarias estaduais de educação tomarem a iniciativa de procurar as secretarias de justiça e os órgãos estatais responsáveis pelos sistemas prisionais. O preso deve ter o seu direito à educação assegurado pelo Estado. Os familiares insatisfeitos com a falta de escola na prisões devem procurar o Ministério Público”, fala José Fernandes de Lima , presidente do CNE.
Ministério da Justiça
Consultado pela reportagem sobre o quadro de acesso à educação nas prisões, o Ministério da Justiça não se posicionou. O ministério possui uma coordenação de Reintegração Social e Ensino que é vinculada à Diretoria de Políticas Penitenciárias da pasta. Foram feitas mais de dez solicitações em dias diferentes à pasta, mas sem sucesso.
Tribuna da Bahia