Na placidez da nostalgia crepuscular do dia 09 de setembro, domingo, quando este acordava, as gotículas santas do orvalho salpicavam o semiárido e a caatinga dos céus da nossa Diocese, gotículas estas, que seriam as lágrimas de sentimento de alegria da amada padroeira, Nossa Senhora das Grotas, anunciando que Dom José Rodrigues, bispo dos flagelados e dos pobres partiu desta vida telúrica, encontrando-se na Morada do Pai Eterno!
Deus, na sua santa misericórdia e na sua bondade, acolheu nos braços o nosso pastor, que não teve a vida tirada, sim, transformada na Ressurreição e, com certeza irá interceder junto ao Sublime e a Mãe dos humilhados e ofendidos para que o seu rebanho não sofra as amarguras da injustiça, bem como, não lhe falte água e o pão de cada dia!
Religioso convicto, sacerdote da Congregação Missionária do Santíssimo Redentor. Impávido e dotado de uma serena abnegação para com o seu episcopado de amor e atenção aos fracos e oprimidos, que até os laicos o admirava por sua caminhada de fé, principalmente, quando no ano de 1975, chegou a Juazeiro como bispo diocesano, momento da implantação da Usina Hidrelétrica de Sobradinho,sendo o paladino, cavaleiro – profeta, irmanou-se aos setenta e dois mil relocados, e, tendo poucos padres e religiosos, chamou os leigos para o devido apoio, àquela gente que merecia justiça.
Confirmo a sua nobre luta em favor dos desprotegidos de afeto, época da construção da Barragem de Sobradinho, pois, Sobradinho era distrito de Juazeiro, encontrando-me, naquela oportunidade, como autoridade policial desta cidade.
Faz média de três anos, estando na cidade de Trindade-Go (Santuário do Divino Pai Eterno), juntamente com minha esposa, Wilma Rosa, o visitamos no início de sua enfermidade, na calmaria do seu quarto, no Convento dos Padres Redentoristas, muito bem assistido por um enfermeiro,cujo recolhimento expressava sentimento de humildade.
Dignitário que devotava a simplicidade no amparo aos menos favorecidos dentro da pirâmide social. Chamado de pequeno grande homem, parodiando o título dado ao sábio Rui Barbosa, que apesar da menoridade da estatura física, todavia, uma enormidade de inteligência.
Um abnegado que renunciou interesses pessoais, portando-se esmerado em favor das necessidades dos pobres, sendo radical nas comunidades eclesiais de base, visando o bem coletivo.
Um artista de alma cultural, sendo pioneiro ao criar um Setor Diocesano de Comunicação Audiovisual, com uma belíssima biblioteca de prateleiras compostas de quarenta e cinco mil volumes.
Homem dedicado às letras e ao seu sacerdócio por vinte e oito anos à frente do destino da nossa Diocese, esta, abençoada por nossa Virgem Mãe, querida padroeira desta gente sertaneja da caatinga de um Sol bem fulgente, ardente, esquecida pelos poderes públicos, onde ainda a pobreza existe e que seus filhos têm sede de uma justiça social.
Membro da Academia Juazeirense de Letras, muita honra para o nosso Sodalicio, a qual se fez presente às suas exéquias, oferecendo uma Cruz de Flores, simbolizando o suplício, a religião cristã, a Igreja de Jesus Cristo.
Eclesiástico de feitos nobres e corajoso que enfrentava o estado de exceção que se vivia à época, criando a Comissão Pastoral da Terra, em uma lídima resposta pastoral, retumbante às injustiças ao povo que foi expulso pela Barragem de Sobradinho, em que muitos lavradores, camponeses foram vítimas da grilagem oficial ou governamental, de suas terras. Sacerdote de atitudes brilhantes em benefício dos desprotegidos de uma justiça humana.
Proclamou liberdade no período ditatorial, quebrando o silêncio do regime forte, centrado na sua vida e fé na mística espiritual, profeta, portanto, dotado de um dom sobrenatural de atitudes impávidas, de visão holística, global, em benefício dos marcados de sofrimentos e injustiças.
Acompanhado de minha esposa, que é Ministra da Eucaristia e da Palavra, católica atuante, participamos das missas de corpo presente, não faltando os fiéis do Coração Eucarístico de Jesus, Apostolado da Oração , Confraria de Nossa Senhora do Rosário, Legião de Maria, Filhas de Maria, Vicentinos, Renovação Carismática Católica e outras entidades religiosas.
Quando das suas exéquias, assistimos às sagradas concelebrações por alguns bispos e padres.
A Catedral de Nossa Senhora das Grotas ficou banhada de lágrimas sentidas, lágrimas indeléveis de saudade, choro plangente dos fiéis que queriam dar o seu último adeus ao bispo dos flagelados, oprimidos e excluídos. A dor bem doída na expressão facial do seu rebanho por vinte e oito anos, dor esta, observada nos cristãos, dentro do Templo Sagrado da Imaculada Rainha do semiárido, que tinha no bispo Dom José Rodrigues, uma esperança de alívio para amenizar os momentos de martírio.
Assisti às cerimônias, honras fúnebres, oportunidade de vê-lo na dormição eterna, dentro do ataúde; segurei na alça da despedida do seu caixão, como também senti o silêncio da caatinga que derramou prantos de saudade, despedindo-se também, do servo morto e sepultado com Cristo.
A cidade em luto viu o cortejo fúnebre, cujo féretro sobre o carro do Corpo de Bombeiros da briosa Polícia Militar. As salvas dolentes se estalavam nos quatro ventos da cidade, tendo os sons se misturados com a sonoridade dos acenos dos corações dos fiéis, que entre lágrimas, de viva voz, davam o Adeus da saudade e agradecimento ao pastor que partiu para ficar ao lado direito do Pai Eterno.
Durante o seu sepulcro no Centro Diocesano de Carnaíba do Sertão, as suas ovelhas se fizeram presentes, rogando na profundidade da fé ao nosso Deus para que o acolha na felicidade da Ressurreição, e, enquanto o corpo descia à sua origem, um corneteiro da nossa PM, solenemente tocava o silêncio, muito comovente e, logo em seguida, houve o canto do Hino de Nossa Senhora das Grotas, Mãe do semiárido, Mãe dos oprimidos e excluídos que chamou o bispo Dom José Rodrigues para ficar ao seu lado intercedendo por seu rebanho que deixou na Diocese de Juazeiro, que chora ao se despedir do sacerdote defensor dos humilhados e oprimidos!
Vá em paz na esperança da feliz Ressurreição!
Geraldo Dias de Andrade é Cel. PM/RR – Cronista – Membro da ABI/Seccional Norte – Escritor – Bel. em Direito – Membro da Academia Juazeirense de Letras.