O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse nesta segunda-feira (27) que deverá liberar para julgamento no começo do 2º semestre deste ano o processo que definirá se os presos do regime semiaberto devem ter o direito à prisão domiciliar quando não houver vagas disponíveis no sistema prisional.
Depois que o ministro liberar o processo, a data do julgamento será definida pelo presidente da corte, Joaquim Barbosa.
Segundo Gilmar Mendes, atualmente 20 mil presos de todo o país cumprem pena em regime mais rigoroso do que deveriam por falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto.
De acordo com dados do Ministério da Justiça, a população carcerária no país é de 548 mil pessoas. No entanto, os estabelecimentos penais dispõem de 310,6 mil vagas (déficit é de 237,4 mil vagas).
Mendes é relator de um recurso do Ministério Público gaúcho que será julgado pelo STF e que contesta decisão da Justiça do Rio Grande do Sul de garantir a um condenado em semiaberto que cumpra pena em prisão domiciliar por falta de vaga.
Entenda cada regime prisional
Aberto
É aquele no qual o detento só dorme e passa os fins de semana no estabelecimento prisional, que deve ser casa de albergado.
Semiaberto
O preso trabalha em colônias agrícolas ou industriais, segundo determina o Código Penal. Mas, devido à falta de vagas em colônias, muitos ficam em alas especiais dentro de presídios, deixam o local durante o dia para trabalhar e retornam à noite para dormir.
Fechado
É aquele em que a pena é cumprida em prisão de segurança média ou máxima, só podendo trabalhar dentro do presídio ou em obras públicas sob vigilância.
Prisão domiciliar
O condenado fica em casa e tem de se apresentar periodicamente à Justiça.
Para subsidiar o julgamento desse recurso, Mendes coordena uma audiência pública sobre o tema nesta segunda e terça-feira (28). Defensores públicos, promotores e secretários de segurança de todo o país discutirão o assunto.
Caso o STF decida que o preso tem o direito da prisão domiciliar, todos os presos do semiaberto ou do aberto que não tenham vagas específicas poderão cumprir pena em casa. Reportagem publicada pelo G1 no mês passado mostrou que só no semiaberto faltam 23 mil vagas, número de detentos que pode ter a garantia da prisão domiciliar.
Maus tratos a presos do semiaberto
Durante a audiência, defensores e juízes apontaram situação de maus tratos a presos que teriam direito ao semiaberto, mas que não tiveram oportunidade de deixar o presídio de segurança média ou máxima por falta de vaga.
O juiz Sidinei José Brzuska, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citou que ocorreram em pouco tempo no estado cinco esquartejamentos de presos que deveriam estar em semiaberto. Ainda segundo o magistrado, há casos de presos dados como foragidos, mas que foram mortos.
“O sistema semiaberto virou rota de fuga. O fato é que o Estado abandonou o sistema semiaberto, que virou um açougue”, afirmou Brzuska.
A defensora pública do Ceará Aline Lima de Paula Miranda também citou casos de morte de presos do semiaberto. “Em 11 de março de 2013, 11 homens morreram carbonizados no regime fechado. Deveriam estar no semiaberto, mas não tinha vaga porque no estado não tem colônia ou similar.”
O desembargador José de Ribamar Fróz Sobrinho, do TJ do Maranhão, destacou que é prejudicial manter presos do semiaberto junto com presos do fechado. “O do semiaberto é quem coloca droga dentro do presídio, entra com celular. Em todos os presídios do estado há hipótese de mistrurar presos.” Ele disse que há casos constantes de morte dentro de presídios no Maranhão.
À beira do colapso
Coordenador da audiência, o ministro GIlmar Mendes destacou que há um “grave problema” no funcionamento do sistema prisional brasileiro. Segundo ele, o sistema vive “à beira do colapso”.
“Sabemos que o sistema prisional brasileiro está à beira do colapso, apresenta diversas mazelas como a superlotação e precariedade de instalações. Temos um grave problema no que diz respeito ao funcionamento do sistema prisional. É preciso que a União assuma de vez o seu papel de liderança na questão de segurança pública”, disse Mendes.
O ministro citou que a Constituição obriga que a União seja responsável pela defesa nacional. “Isso envolve não só a Administração Pública federal, mas também outros órgãos, inclusive aqueles que integram o Poder Judiciário, como o CNJ”, afirmou. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz acompanhamento do sistema penitenciário e realiza periodiamente mutirões para verificar mudanças em regime de cumprimento de pena, por exemplo.
A subprocuradora-geral da República Raquel Dodge destacou que a falta de vagas é “problema crônico”. Para ela, porém, é preciso utilizar devidamente os recursos públicos voltados para a melhoria do sistema prisional e não simplesmente conceder o direito de prisão domiciliar.
“A falta de vagas no sistema prisional é um problema crônico e crescente no Brasil, o que tem dado causa a prisões superlotadas, à substituiçao forçada de penas e ao cumprimento das mesmas em situações precárias. São condições prisionais que violam a Constituição. As verbas federais destinadas à construção de presídios no Brasil têm sido subutilizadas”, afirmou a subprocuradora.
Defensores
Na audiência pública na manhã desta segunda, a maioria dos participantes era da Defensoria Pública, entidade que defende o direito à prisão domiciliar quando não houver vagas.
O defensor público-geral do Rio Grande do Sul e presidente do Conselho Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege), Nilton Arnecke Maria, destacou que o sistema prisional é “desumano, cruel e não recupera”.
Ele citou o recurso que será julgado pelo Supremo e disse que atualmente há 350 decisões para que presos saiam para o semiaberto no Rio Grande do Sul, mas não há vagas e, enquanto isso, detentos ficam em contato com presos de alta periculosidade.
Defensor-geral público federal, Haman Tabosa detacou que é preciso “acabar com mitos” relacionados à concessão da prisão domiciliar. Segundo ele, não se pode deixar presos em regime mais grave “por omissão do Estado brasileiro”.
“Nós devolvemos à sociedade pessoas muito piores devido a falta de políticas públicas de ressocialização e da precariedade do nosso sistema prisional”, afirmou Tabosa.
Ele destacou pedido feito dentro do processo para que o Supremo conceda o direito a regime mais brando quando não houver vaga e crie uma súmula vinculante sobre o tema. A súmula é um entendimento que deve ser cumprido pelas demais instâncias da Justiça e órgãos da administração pública.
A defensora de São Paulo Daniela Cembranelli também falou durante a audiência e destacou que, no estado de São Paulo, mais de 6 mil presos têm direito ao semiaberto, mas ficam em regime mais severo porque não há vaga. “O que se tem em São Paulo é uma vergonhosa fila de espera.”
O advogado da Pastoral Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, Massimiliano Antônio Russo, defendeu a garantia da prisão domiciliar sempre que não houver vaga. Segundo ele, uma decisão do Supremo daria mais força a juízes que querem dar decisões do tipo, mas enfrentam resistências.
“A experiência que a Pastoral Carcerária tem das visitas semanais demonstram que o problema persiste para todo o lado, todas as regiões do Brasil. A decisão [do STF] vai contribuir para a melhoria porque os estados vão ter de deixar de ser omissos. […] Soltar presos, para a mídia e para o governo, tem peso muito grande em nível de votos. […] Uma decisão desse tribunal pode dar força para que juízes tomem decisões a favor da legalidade, da dignidade da pessoa humana e da Constituição Federal.”