Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem derrubar a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, alterando um entendimento adotado desde 2016. O voto de desempate foi dado pelo presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, o último a se manifestar. Na quinta sessão de julgamento sobre o assunto, a maioria dos ministros entendeu que, segundo a Constituição, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado (fase em que não cabe mais recurso) e que a execução provisória da pena fere o princípio da presunção de inocência.
Com a decisão, ninguém poderá ser preso para começar a cumprir pena até o julgamento de todos os recursos possíveis em processos criminais, incluindo, quando cabível, tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça, STJ, e STF). Antes disso, somente se a prisão for preventiva.
A decisão tem efeito “erga omnes”, ou seja, vale para todas as instâncias do Judiciário e será vinculante, de cumprimento obrigatório.Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 5 mil presos podem ser beneficiados pela mudança de entendimento, se não estiverem presos preventivamente por outro motivo. Levantamento do Ministério Público Federal a decisão do STF pode beneficiar 38 condenados na Operação Lava Jato.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode obter liberdade, já que ainda cabem recursos da condenação dele no caso do triplex em Guarujá (SP). Essa decisão caberá à Justiça Federal do Paraná. Nos casos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, entretanto, a mudança de entendimento do STF não os tira da cadeia.
No julgamento, os ministros apreciaram três ações declaratórias de constitucionalidade, apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e Patriota.
Desde 2016, a Corte autorizou a prisão após segunda instância quatro vezes, mas a análise de mérito das ações permanecia em aberto.
Por isso, juízes e até ministros do STF vinham decidindo de forma divergente sobre essas prisões. Agora, será obrigatório seguir o entendimento do Supremo. O advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, afirmou que o estado deve garantir direitos violados das vítimas. O ministro defendeu que os princípios da Constituição garantem o justo processo e, não à toa, a presunção da inocência e a prisão estão em momentos diferentes no texto constitucional.
“Interpretar a Constituição é concretizá-la. Porque ela tem que ser aplicada na vida em sociedade”, afirmou. “Toda a Europa trata nesse sentido, de separar presunção de inocência de prisão. Essa é a jurisprudência de direitos humanos.” O procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que a prisão após a condenação por colegiado somente deixou de ser aplicada entre 2009 e 2016. E que somente os que têm mais recursos conseguem ter acesso às instâncias superiores.
Aras afirmou que, “em tempos de polarização”, é preciso uma solução que favoreça uma integração social e a unidade política. “Ao nos afastarmos de um eventual raciocínio maniqueísta, o réu tem algo necessariamente acrescido em sua condição após sua sentença condenatória”, disse. Segundo o PGR, as instâncias extraordinárias, como o Superior Tribunal de Justiça, estão voltadas ao julgamento de teses e não de casos, “acessíveis apenas a alguns que dispõem de maiores recursos e mais bem situados pela fortuna que sua sorte lhes atribui”.
G1 e TV Globo