O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para criminalizar o não pagamento de ICMS declarado ao Fisco como devido. Pelos votos já proferidos pelos ministros, a prática deve ser enquadrada como crime de apropriação indébita, uma vez que o empresário cobra o valor do tributo do consumidor, mas deixa de fazer o repasse para a administração estadual.
O crime de apropriação indébita é previsto no artigo 168 do Código Penal Brasileiro, com pena de seis meses a dois anos de reclusão, além de multa. A questão em julgamento é diferente de sonegação, quando o contribuinte sequer declara o imposto devido ao Fisco.
O julgamento de ontem se encerrou com placar de 6 votos a favor da criminalização e 3 contrários. O presidente do STF, Dias Toffoli, pediu vista (mais tempo para análise) do processo. Segundo ele, o julgamento será retomado na próxima quarta-feira, 18. Na sessão de quarta-feira, 11, o relator do caso, ministro Luis Roberto Barroso, havia votado pela criminalização da prática, desde que a Justiça comprove o dolo (intenção de não pagar), o que deve ser apurado pelo juiz competente. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes divergiu e votou pela tese de que deixar de pagar o ICMS declarado não configura crime. Ontem, acompanharam o relator os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lucia. Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram pelo mesmo entendimento que Gilmar Mendes.O julgamento se refere a um recurso apresentado por um casal de lojistas de Santa Catarina, denunciado pelo Ministério Público estadual por não ter recolhido o valor referente ao ICMS em diversos períodos entre 2008 e 2010.
O casal de lojistas ingressou com o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) em outubro do ano passado, após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STF) ter considerado crime não pagar o ICMS declarado. A defesa dos lojistas sustenta que a simples inadimplência fiscal não caracteriza crime, pois não houve fraude, omissão ou falsidade de informações ao Fisco. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se posicionou pela rejeição do recurso – ou seja, a favor da tese de que o não pagamento do tributo é crime. O Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg) também defende que a prática seja considerada crime, sob o argumento de que muitos contribuintes declaram o ICMS e alegam “mero inadimplemento”, causando prejuízo aos cofres públicos.
O julgamento é aguardado pelos Estados, que esperam ter em uma eventual criminalização da prática maior força para cobrar o ICMS devido pelos contribuintes. Uma estimativa conservadora do Conpeg mostra que uma decisão nesse sentido poderia injetar de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões nos Estados e Distrito Federal. Mas esse cálculo ainda pode crescer, uma vez que nem todos os governos estaduais conseguiram consolidar os seus dados.
Além disso, o valor se refere apenas ao que já foi declarado e não foi pago, mas está em fase de cobrança. A avaliação é de que a criminalização pode influenciar o comportamento dos contribuintes e desincentivá-los a atrasar o pagamento de tributos.
Fontes do governo federal ressaltam que houve uma mudança de comportamento dos empresários quando o não pagamento de contribuições previdenciárias foi criminalizado. A apropriação indébita dessas receitas, que pertencem à União, acabou caindo. Na prática, segundo essas fontes, esse tipo de débito acabou virando uma prioridade para os contribuintes em caso de dificuldades financeiras. “Quando é instaurado o inquérito ou o Ministério Público faz a denúncia, a dívida termina sendo paga”, explicou uma fonte.
Na sessão de quarta-feira, Barroso ressaltou que muitos contribuintes deixaram de sonegar e passaram a declarar a dívida, sem quitá-la, na tentativa de escapar da criminalização. “‘Olha, eu devo esse tributo, devo não pago’. Portanto, aumentou exponencialmente a quantidade de episódios de apropriação tributária indébita”, disse. Segundo ele, só em Santa Catarina o número de comunicações desse tipo de prática passou de 1 mil para quase 4,5 mil.
O Estado de S.Paulo