Modu Beyé, 31, esteve mais calado do que de costume nos últimos dias. O senegalês é figura conhecida pela animação nas conversas com amigos brasileiros no entorno da antiga rodoviária, ponto de reunião de imigrantes em Cascavel, no oeste do Paraná.
A preocupação era sobre como ele e conterrâneos seriam vistos por moradores após o anúncio de que um outro imigrante na cidade é o primeiro caso suspeito de ebola detectado no país.
“As pessoas confundem tudo, Guiné, Senegal. Falam África como se fosse um país. É um continente”, aborrece-se Modu, num bom português de três anos em Cascavel.
O guineano Souleymane Bah, 47, foi atendido numa unidade de saúde da cidade na quinta (9), após ter entrado no país em 19 de setembro. Antes, esteve por 17 dias num albergue local, onde dividiu espaço com imigrantes.
Transferido para o Rio, deve ter nesta segunda (13) a confirmação final do exame negativo para a doença, que, no atual surto, já contaminou mais de 7.000 africanos e matou mais da metade deles.
O caso em Cascavel somou mais um fator de inquietação à comunidade de imigrantes haitianos e africanos no oeste do Paraná.
Atraídos por ofertas de trabalho em frigoríficos e na construção civil, eles são 2.000 só em Cascavel –90% deles haitianos da diáspora pós-terremoto de 2010.
LUTA DIÁRIA
Passada a tensão da suspeita, a comunidade de imigrantes, que já enfrenta episódios isolados de preconceito, retoma o cotidiano em busca de adaptação e melhores condições de trabalho.
Hoje o salário médio dos imigrantes varia de R$ 900 a R$ 1.200 por até dez horas de trabalho, muitas delas em pé, dentro de frigoríficos. “Dói ficar tanto em pé”, lamenta-se Simone Junlen, 36, do Haiti.
Para os africanos, a jornada ao Brasil começa em escalas de voos na Espanha ou Portugal, de onde seguem para São Paulo ou Recife.
Alguns tomam ônibus para o Sul e outros —como teria feito o guineano— pegam voos para a Argentina e cruzam a fronteira pelo Rio Grande do Sul ou Santa Catarina.
No caso dos haitianos o trajeto é sempre o mesmo: voos até o Equador, estradas pelo Peru e entrada por terra pelo Acre, de onde se espalham.
O destino comumente é definido por referências —o senegalês Modu, por exemplo, recebeu um irmão de 23 anos há uma semana em Cascavel.
Muçulmano, o senegalês Bassiro Diop, 25, desembarcou sozinho em São Paulo e buscou apoio numa mesquita da capital. Sem achar emprego, um dos religiosos lhe sugeriu: “Vá para Cascavel”.
Na cidade paranaense, como outros muçulmanos, frequenta uma casa de oração, onde, todas as sextas-feiras à noite, africanos, árabes e brasileiros convertidos atualizam a prática religiosa.
Alguns, como o senegalês Abdou Lat Diop, 22, conseguiram negociar pausas no trabalho para as cinco orações diárias em direção à Meca.
No albergue noturno André Luiz, que recebe estrangeiros e locais, a oração noturna foi vetada pelo o barulho — o quarto é coletivo.
Os haitianos são cristãos, muitos evangélicos. Para Wilfrid Aristé, 31, que vive com outros sete haitianos, um dos poucos momentos de lazer é o culto adventista nas manhãs de sábado, que assistem mesmo sem compreender bem o idioma.
COMUNICAÇÃO
O grupo tenta descobrir a frequência de uma rádio local criada por haitianos, com músicas da terra natal e locuções em francês e créole.
“Outro dia fui à livraria, quis comprar um livro, mas não havia nenhum em francês”, lamenta Harland Joinville, 29.
Para conversar com a família, visitam hotéis para usar a internet sem fio nos celulares.
Em Cascavel levam vida econômica, instalados em hotéis baratos e casas modestas. O objetivo de quase todos é conseguir enviar dinheiro para parentes em casa.
Um obstáculo para isso, dizem, é a taxa de câmbio no país, desconhecida pela maioria até a chegada.
“Economizo R$ 1.000 e só consigo enviar US$ 300 para minha mulher e meus dois filhos”, afirma o haitiano Jon Saint Vema, 27, que se diz arrependido da mudança após três anos em Cascavel.
“Saí do Haiti por uma vida melhor. Foi muito sacrifício para chegar até aqui. Mas hoje não sei se compensou.”
Fonte: Portal Uol