Já há algumas colunas venho tentado demonstrar a existência do patriarcado usando o cenário político como analogia para as relações de poder que nele se sustentam. 

Faço isso porque a abstração conceitual “patriarcado” – apesar de ser bastante evidente e comumente invocada por feministas de todas as vertentes do movimento – não é sempre reconhecida como algo concreto e real, especialmente por quem não sabe nem quer saber o que e como pensam as feministas.   

O patriarcado é um conceito que nomeia o paradigma social onde é normalizado que o poder permaneça nas mãos dos homens. 

Um dos muitos sinais da força narrativa do patriarcado é o estímulo positivo comumente dado às feminilidades dóceis e decorativas. Um exemplo pertinente destas narrativas, e que é relacionado à crise política, foi a infame matéria da revista Veja que enaltecia a hoje primeira-dama interina Marcela Temer como uma mulher bela, recatada e do lar.

A função deste tipo de narrativa sempre foi firmar a noção de que, às mulheres, cabem lugares e subjetividades pré-estabelecidas: a casa, as preocupações estéticas, o bom comportamento. 

Outros exemplos de narrativas patriarcais que demarcam quais espaços e determinam quais subjetividades são aceitáveis para as mulheres: concursos de beleza, a romantização da maternidade, a alcunha de “rainha do lar”, a ideia de que mulheres são mais emotivas. 

Nenhuma destas narrativas constrói nenhuma mulher de forma particularmente negativa. Os atributos, afinal de contas, não o são: misses tendem a ser bonitas, pessoas tendem a amar suas mães, “rainha” tende a ser elogio, e quem não se orgulharia de possuir inteligência emocional?

Feministas se opõem a celebrações exacerbadas de narrativas que festejam feminilidades mansas porque entendemos o valor da representação, e o quanto esta afeta a representatividade. 

Representações são as formas como certos grupos são representados a partir de perspectivas ideológicas, especialmente pela mídia. Conforme descrito acima, “bela, recatada e do lar” é uma representação tipicamente patriarcal das mulheres. Já representatividade significa representar, politica ou institucionalmente, os interesses de determinado grupo.

“Você não é o que você não pode ver” é um jargão clássico do feminismo de internet por capturar a importância de se enxergar representada. As representações de mulheres que tendem a ser bem-vindas são as que nos definem como bonitas, passivas, discretas – e conhecemos as consequências de destoar das narrativas de feminilidades aceitáveis.

O patriarcado espera que as mulheres cumpram papeis sociais bastante específicos, e especificamente distantes de onde o poder institucional, social e econômico está.

Não é preciso destruir nenhuma feminilidade para compreender que algumas formas de ser mulher são mais celebradas, pelo patriarcado, do que outras. E não é coincidência que as subjetividades e identidades femininas mais festejadas sejam as que ocupam as mulheres com atividades que estão longe de pertencer às esferas de poder institucional.

As tensões acumuladas neste período de profunda instabilidade política nos tristes trópicos só fizeram aumentar nos últimos dias. Desde o afastamento de Dilma Rousseff o turbilhão de notícias (as falsas, as verdadeiras e os factoides) sobre as decisões e medidas da composição governamental recém-instaurada vem deixando a população alarmada.

Foram tantos os sustos que seria preciso uma coluna específica de análise feminista sobre gênero dedicada para cada um. 

Mas como estamos falando de representações e representatividade, o foco aqui é nonúmero de mulheres nos ministérios: zero.

O anúncio sobre os ministérios marca um momento importante da crise: ele revelou – para quem era contra ou a favor do impeachment – o caráter profundamente patriarcal do governo que veio a assumir a gestão do Brasil. 

Podemos discutir a legitimidade do impeachment e as trapalhadas da gestão de Rousseff até o fim dos tempos mas, independentemente da legalidade do processo de impedimento, há uma profusão de indicadores de que estamos galopando de volta para um passado que sempre quisemos superar.

Um passado que relega mulheres a posições de submissão. Um passado onde quem manda são os homens brancos. Um passado no qual a violência contra a mulher (e negros, e indígenas) é legitimada pela ausência de representatividade nos mais altos cargos de poder.   

Nunca foi fácil ser feminista, mas desde que a crise foi desencadeada, vem sendo cada vez mais difícil. A violência que já sofríamos aumentou, e os setores mais conservadores da sociedade civil, corroborados pelo que veem, não hesitam em tratar feministas como as “vagabundas de esquerda” que julgam sermos. 

Precisamos todos sair dos embates ideológicos polarizados, e precisamos ver além do que já pensamos que sabemos – e para isso, precisamos nos ouvir. 

Pode-se debater as vantagens e desvantagens deste ou do governo anterior, pode-se discutir se o afastamento de Rousseff constituiu golpe ou não, e pode-se até permanecer em dúvida respeito de todo o desenrolar da história. Mas é inegável que o governo recém-empossado é profundamente patriarcal. 

Ao nomear apenas homens brancos para cargos do mais alto poder político nacional, o presidente interino Michel Temer demonstrou ser adepto da crença patriarcal que assume que somente os homens brancos têm méritos.

Foi isso, ou o sistema não é, de fato, baseado em mérito – estou segura de que há por aqui gente que não é homem nem branca com competência de sobra para assumir cargos de poder institucional. 

A democracia se realiza com participação plural. É por isso que representatividade para além da velha representatividade patriarcal e branca importa tanto. 

As mulheres dizem que é preciso mais mulheres no poder. Os negros e indígenas dizem que é preciso mais negros e indígenas no poder. E os homens brancos dizem que isso é bobagem, que o importante é competência. 

A importância da representação e da representatividade é verdadeiramente um mistério para quem sempre se viu representado. Este novo governo marca a volta dos que não foram.

Carta Capital

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