Ela chega tímida, mas mostra humildade e simpatia contagiantes. Seu nome de batismo é Claudionor Viana Teles Veloso, ou Dona Canô. Mãe de Caetano Veloso, Maria Bethânia e mais cinco filhos, a matriarca da família abriu as portas da casa número 179, em Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano, para entrevista ao G1 e à TV Bahia. Antes de falar, ajeita o vestido branco e limpa os óculos, roxos, recém-escolhidos. “Um rapaz veio aqui e trouxe os modelos, aí eu gostei desses”, inicia a conversa.
Entre os assuntos, fala dos preparativos para os festejos de seus 105 anos, que serão comemorados neste domingo (16), e sobre a fé, a família e a vida, com a sabedoria e bom humor de uma jovem senhora que mostra a leveza de uma “menina”, apelido dado pelos próprios filhos.
Nascida em 1907, na cidade em que vive até hoje, Dona Canô costuma dizer que a fama veio por conta de Caetano e Bethânia, seus filhos famosos. “As pessoas me conhecem por causa de Caetano, já chegam aqui perguntando por ele. Mas eu nem sei direito por onde ele anda, o que vou responder?”, diz. Mas um pouco mais de conversa faz entender que o motivo da popularidade da matriarca vai além dos filhos ícones da música popular brasileira. Conhecida na cidade pelo ativismo, a casa de Dona Canô guarda memórias de políticos e autoridades em fotografias espalhadas pelas paredes. “Ela costuma pedir aos políticos que melhorem a cidade e já conseguiu muita coisa”, revela o filho Rodrigo Veloso.
Lembranças
Sobre a história construída nos 105 anos de vida em Santo Amaro, Dona Canô recorda de quando passeava com os amigos nas usinas de açúcar da cidade. Lembra também da época dos bondes. “A cidade cresceu, as coisas ficaram longe, os bondes eram importantes”, diz.
Ela lembra, também, de um dos melhores momentos de sua vida.“Foi quando conheci Zeca. Ele era a única pessoa em que eu me perdia”, diz. Zeca, ou José Teles Veloso, foi o marido de dona Canô. Seu Zezinho, como também era chamado, morreu em 1983, com 82 anos. “A gente se conheceu na rua, lembro dele passando por mim, tudo foi diferente a partir dali”, revela.
Foi com seu Zezinho que ela construiu a família que hoje, além dos seis filhos vivos (Nicinha morreu em 2011), tem também seis netos e nove bisnetos. “Eu costumo dizer que minha bisavó é a pessoa mais jovem da família. Me dá conselhos sobre tudo, desde mudanças profissionais até nos relacionamentos”, conta o bisneto Jorge Veloso, de 28 anos.
Devota de Nossa Senhora da Purificação, ela atribui à fé os 105 anos e a disposição e lucidez com que enfrenta a vida. “A fé é tão importante que eu tô viva, não é? Acho que cheguei até essa idade porque acredito em Deus e porque sempre vivi com a minha família, com pessoas do meu lado, com casa cheia. Acho que esse é o segredo”, conta. Ainda sobre família, ela comemora o fato de todos estarem saudáveis e bem empregados. “Todo mundo tem o seu dever, trabalham com o que gostam. Isso pra mim é importante”.
Rotina
Dona Canô vive com o filho Rodrigo Veloso, uma enfermeira, que cuida e monitora a sua saúde, além das empregadas e cozinheiras da casa com um grande quintal e cheia de gatos, animais pelos quais ela tem um grande apreço. A única reclamação que a idosa faz é com relação a não permitirem que ela faça as tarefas da casa. “Não deixam mais que eu faça as coisas, mas se mandarem eu posso preparar qualquer coisa na cozinha”, diz. Mas as opinões sobre os cardápios da casa ela não dispensa: “Quando Caetano vem eu já mando deixar pronto o peixe que ele gosta”, lembra.
Além disso, “ela faz questão de ler os jornais todos os dias logo no começo da manhã”, pontua o filho Rodrigo. Durante a conversa, ela fala dos últimos acontecimentos lidos nos impressos: “Li histórias com adolescentes envolvidos com coisas ruins […] esse mundo anda tão maluco, não é?”. Além disso, costuma assistir diariamente a missas na televisão. “Ela prefere as missas, hoje em dia, mas já foi uma grande admiradora de novelas”, diz a filha Mabel Veloso.
Dona Canô também garante que para exercer a importância da cidadania, este ano irá às urnas para votar. “Vou porque acho importante, mesmo, e quero que meu candidato faça algo pela nossa Santo Amaro”, explica.
Aniversário
Sobre os 105 anos, ela revela: “Na verdade eu tô pouco me importando com idade. A minha vida é essa até o dia que Deus permitir. Se ele quiser que eu viva, eu vivo.” Com um porém: “Tem que ser alegre, porque senão, é pior”, sorri a simpática dona Claudionor.
Da festa, programada para o domingo (16), com direito a bolo, guaraná, caruru e uma tacinha de vinho do Porto, ela diz com bom humor: “Eu não entendo porque esses malucos [os filhos] inventam isso de festa. Mas se vai ter, é com roupa nova, sapato novo, com tudo novo”, diz seguida de uma gargalhada.
Rodrigo Veloso explica que, apesar de dizer que não gosta, a mãe se mostra preocupada com os preparativos, todos os anos. “Este ano ela já perguntou como vai ser, se a missa já está programada, quem vem. Ela diz que não, mas todo ano fica ligada nos preparativos”.
Para este ano, inclusive, a família já anunciou uma missa, programada para as 10h na Igreja da Purificação, que será presidida pelo padre Reginaldo Manzotti. A filha Mabel Veloso conta que “a maior preocupação dela é a missa, que tudo saia bem e que todos se sintam bem.”
Em seguida, será oferecido um café da manhã para familiares e amigos do lado de fora da igreja. Já o tradicional caruru, este ano deve ser mais íntimo, apenas para familiares. “Nós estamos tentando restringir a festa dentro de casa por conta da saúde dela, para poupá-la e para que ela possa circular com maior liberdade, falar com os convidados”, explica Rodrigo.
“Portas abertas”
Receptiva, antes de terminar a conversa ela diz que “todo mundo que quiser me ver pode vir. A casa tem muitas pessoas ao redor, mas sempre haverá de ter um espacinho para quem gosta de mim. As portas estão abertas.”
Por conta dos cuidados médicos que necessita, Dona Canô não pode conversar por muito tempo. Da entrevista ela se despede quando o fisioterapeuta chega para sua sessão diária. “Ele vem para fazer a ginástica comigo, todo dia eu faço ginástica”, diz. Antes de ir, ela deixa uma opinião, um conselho para quem vê nela uma inspiração de vida e de longevidade: “Acho que vivo muito esse tempo todo porque vivi muito com a família, todos juntos, acho que é por isso”, diz. E um conselho, para quem pensa em ‘receitas’ para a vida: “hoje as pessoas querem o mundo. Mas não é assim. Você tem que fazer por onde, merecer o mundo para ter as coisas”, se despede Dona Claudionor Viana Teles.