Diante da arrecadação em queda e da dificuldade de cortar gastos e elevar impostos, o governo federal enviou nesta segunda-feira para o Congresso uma proposta de Orçamento para 2016 que prevê um déficit de R$ 30,5 bilhões.

De acordo com o Ministério do Planejamento, essa é a primeira vez que o governo planeja um déficit orçamentário desde que a atual metodologia para contas públicas foi adotada no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

A administração Dilma Rousseff tentou contornar essa medida com a proposta de recriação da CPMF, um imposto sobre transações financeiras. Sem apoio no Congresso e sob críticas do empresariado, foi obrigada a recuar da ideia.

Para 2015, a previsão é de pequeno saldo positivo (superavit primário) de R$ 5,8 bilhões. Em 2014, o resultado ficou vermelho em R$ 32,53 bilhões.

Dois economistas renomados ouvidos pela BBC Brasil concordaram que a previsão de déficit é ruim, mas defenderam soluções diferentes para o problema.

Para Paul Singer, economista ligado ao PT e que hoje é secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, a saída é elevar impostos, evitando assim cortar gastos sociais.

Já Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central (1983-1985) e atual diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, defende que o governo reduza os gastos.

Entenda melhor abaixo o que significa o déficit anunciado nesta segunda-feira.

Por que o governo está prevendo déficit no Orçamento?

O governo procura todo ano fazer uma economia para pagar juros da dívida pública, o chamado superavit primário, com objetivo de evitar um aumento descontrolado desse débito.

O superavit é o que sobra da diferença entre receitas e despesas não financeiras, ou seja, essencialmente a arrecadação com tributos subtraídos os gastos com funcionamento dos serviços públicos (como saúde e educação), benefícios sociais (Bolsa Família, seguro-desemprego, aposentadorias), subsídios (com programas como o Minha Casa Minha Vida e os juros mais baixos do BNDES), investimentos em obras públicas, entre outros.

Na proposta de Orçamento enviada nesta segunda-feira ao Congresso, o governo prevê que terá receita líquida (receita total menos transferências para Estados e municípios) de R$ 1,18 trilhão em 2016. Já as despesas devem somar R$ 1,21 trilhão.

O descompasso é reflexo da dificuldade do governo em evitar o aumento de gastos num cenário de queda na arrecadação federal devido à recessão econômica.

Os números divulgados pelo Ministério do Planejamento indicam que a receita líquida do governo federal recuará de 19% do PIB neste ano para 18,9% em 2016, enquanto a despesa subirá de 19% do PIB para 19,4%.

Já a previsão para o PIB é de queda de 1,8% nesta ano e de pequeno crescimento de 0,2% em 2016. O salário mínimo vai subir de R$ 788 para R$ 865,50 no ano que vem, implicando em aumento de gastos públicos com aposentadorias pagas pelo INSS.

Diante da queda na arrecadação, o governo teria que cortar gastou e/ou elevar impostos. Isso já começou a ser feito, mas não tem sido suficiente para gerar superávit. Como a ampliação dessas medidas é impopular, o Congresso resiste a aprovar novos cortes de despesas ou aumentos de taxas.

O governo optou, então, por um saída que classificou como “realista” e assumiu que não será capaz de economizar no próximo ano.

A expectativa era que a volta da CPMF pudesse gerar cerca de R$ 80 bilhões em receita. Mas após o recuo na recriação da cobrança, o governo anunciou nesta segunda-feira a elevação de alguns impostos pontuais, que devem aumentar a arrecadação em R$ 11,2 bilhões em 2016.

“Acho que esse Orçamento com déficit é uma forma de pressão que o governo está colocando para que o Congresso seja mais generoso e apoie os cortes de gastos”, acredita Langoni.

Para Singer, o ajuste fiscal adotado pelo governo neste ano acabou agravando a situação na medida em que os cortes de gastos contribuíram para a recessão econômica. Na sua avaliação, o governo deveria ter feito um ajuste mais gradual.

“A própria classe dominante que queria esse ajuste votou completamente contra o governo. Aprovaram projetos que aumentam as obrigações (gastos). Enfim, ninguém ajudou. Agora vamos ter que aguentar as consequências”, disse.

Por que o déficit preocupa?

A dívida pública é uma dívida que nunca será totalmente paga – o que os governos de diversos países fazem é gerenciar seus débitos, pagando seus credores ao mesmo tempo que contraem novas dívidas.

O crescimento da dívida em si não é considerado um problema por economistas e investidores – o que preocupa é o crescimento da relação entre a dívida pública e o tamanho da economia, o PIB (Produto Interno Bruto).

Dessa forma, quando a economia está crescendo, a dívida pode até aumentar em valores nominais e sua proporção em relação ao PIB ficar estável ou recuar.

Essa relação é importante porque a arrecadação do governo também costuma variar de acordo com o crescimento do PIB. Dessa forma, se a economia aumenta, o governo também arrecada valores maiores e, assim, pode arcar com débitos maiores.

Por exemplo, em julho de 2002, a dívida líquida do setor público (governos federal, estaduais e municipais) somava R$ 826,2 bilhões e representava 58,71% do PIB. Treze anos depois, em julho de 2015, essa dívida cresceu para R$ 1,9 trilhão, mas em proporção ao PIB caiu para 34,2%.*

Um déficit significa que o governo terá que aumentar mais sua dívida e, como o PIB está diminuindo, haverá um aumento na proporção entre as duas coisas. Isso eleva a percepção de risco dos investidores, que passam a cobrar juros mais altos para continuar financiando o Tesouro Nacional.

“O problema é saber se as agências de risco vão tolerar e aceitar essa realidade de que o ajuste vai ser feito de uma forma muito mais lenta, moderada e mais gradual do que se imaginava”, destaca Langoni.

As agências de classificação de risco dão notas segundo a expectativa de que o país pague suas dívidas. O Brasil ainda possui grau de investimento, um selo de bom pagador, mas a deterioração das contas públicas tem aumentado as chances de que a nota seja reduzida.

Se isso acontecer, o país perde acesso a algumas fontes de financiamento mais baratas, como fundos que só aplicam em países com grau de investimento.

Qual deve ser o tamanho do Estado?

Por trás do debate do ajuste fiscal, há uma questão de fundo importante: qual deve ser o tamanho do Estado brasileiro e de sua carga tributária?

Por um lado, é comum os brasileiros reclamarem que pagam muitos impostos. De outro lado, há uma demanda na sociedade, que foi consolidada na Constituição de 1988, por benefícios sociais e serviços públicos gratuitos de qualidade.

A redução dos impostos implica em ter um Estado menor. Já o fornecimento de benefícios sociais e serviços públicos exige um Estado maior e, portanto, uma carga tributária mais alta.

“O governo precisa aumentar os impostos para colocar as contas públicas em ordem, não vejo outra saída. A não ser que a economia volte a crescer, mas eu não estou nem um pouco otimista”, afirma Singer. “Não tem onde cortar mais (gastos) a não ser cometendo graves injustiças. Qualquer coisa que signifique reduzir o gasto social do governo é uma injustiça.”

Langoni, por sua vez, acredita no oposto disso. Ele defende o combate ao desperdício e uma reforma da Previdência que reduza os gastos do governo com aposentadoria.

“Eu acho que sempre há espaço para cortar. A gente conhece a ineficiência do Estado brasileiro, em todos os níveis: municipal, estadual e federal. É lógico que há sim possibilidade de cortes de gastos”, defendeu. “Nós estamos falando de um déficit de R$ 30 bilhões, não é um número absurdo para o tamanho da economia brasileira. É só procurar que vai achar (onde cortar os R$ 30 bilhões).”

Mas em uma coisa ambos concordam: a situação fiscal está ruim, mas o Brasil está muito longe de virar uma Grécia. A dívida bruta brasileira está hoje em 65% do PIB, enquanto a grega supera 160%.**

O problema, nota Singer, é que o Brasil paga juros muito altos – e a taxa básica Selic vem sendo elevada ainda mais para tentar conter a inflação.

“Não há comparação do problema fiscal brasileiro com o problema enfrentado em alguns países europeus nos últimos anos. Mas quanto mais a gente adia a hora de enfrentar esse problema, maior o custo econômico e social”, argumenta Langoni.

Fonte: MSN Notícias

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