“Cada dia com a sua agonia”, disse a presidente Dilma Rousseff, depois dos jornalistas de Brasília insistirem muito para que ela falasse sobre as mudanças na remuneração da caderneta de poupança. A “agonia” da vez é exatamente ela, a poupança.
“Não há uma solução brilhante. Qualquer solução terá alguma consequência negativa que terá que ser reolvida ao longo do tempo. O assunto é complexo e dá uma tentação de usar paliativos”, alerta Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central.
Para acalmar os ânimos, a presidente Dilma disse mais aos jornalistas: “Não adianta vocês anteciparem (possíveis medidas). Sem dúvida nenhuma todas as questões vão ser avaliadas pelo governo com muita calma, muita tranqüilidade”.
Mas o debate já está acalorado. Analistas trocam informações, os jornais apresentam soluções possíveis que estariam sendo avaliadas pelo governo, para que o rendimento da caderneta não prejudique uma queda maior da taxa de juros básica da economia.
Explico: as aplicações na caderneta têm rendimento garantido pela TR mais 6% ao ano, o que dá, atualmente, 6,17%aa. Se o BC seguir firme no corte dos juros, na semana passada ele baixou a taxa para 9% ao ano, os investidores podem ficar tentados a mudar de um fundo de renda fixa, por exemplo, para a velha e boa caderneta.
A poupança não paga imposto nem taxa de administração. Para ter esses benefícios, os poupadores aceitam ganhar menos do que os outros produtos oferecidos pelos bancos. Enquanto a taxa Selic, referência para rendimento dos fundos de renda fixa, estava alta, a remuneração da poupança ficava conservadora demais. Com a Selic mais baixa, muito perto da TR, pode ficar mais barato e mais rentável migrar para a poupança, que além de isenta, não corre riscos.
Essa migração tem efeitos negativos. Se os bancos comprarem menos títulos do governo para aplicar o dinheiro dos seus investidores, pode haver problemas na gestão da divida pública. Para os bancos, não é tão grave, desde que não haja um descasamento das operações de crédito em suas carteiras. O crédito imobiliário pode receber uma injeção de recursos, já que os depósitos na caderneta são direcionados para os financiamentos. Mas pode ser uma coisa passageira, que pode causar desequilíbrios no sistema.
“Em algum momento isso terá que acontecer. Se estamos pensando em juros baixos, temos que mexer. O governo tem que pensar com calma, discutir com mercado, a solução está ao final de um labirinto. Não é uma coisa para se fazer de supetão”, diz Loyola.
No escaninho das ideias para mudar o rendimento da poupança estão: tributação dos depósitos para valores mais altos; atrelar a remuneração a um porcentual da Selic; acabar com os 6% que se somam à TR para o cálculo do rendimento; entre outras. Entre elas há as de execução mais simples e rápida, mas com efeitos arriscados no curto prazo. Há também as mais complexas, mas com visão de longo prazo e planejamento para correção dos rumos durante a mudança.
Enquanto a solução não vem, o economista Gustavo Loyola sugere que se mude a pergunta sobre a necessidade de se mexer na poupança agora. “Eu acredito que, nesse processo, devemos olhar para o que queremos para o crédito imobiliário no país e não por causa de juros mais baixos. Há um consenso de que o crédito imobiliário no país ainda é muito baixo, precisa crescer. Mexer na poupança é mexer com os tomadores de crédito imobiliário. Tem que ser uma equação equilibrada. Essa é a pergunta que nós precisamos fazer”.
A boa noticia desse debate é que ele revela um amadurecimento da economia brasileira. As barreiras de hoje foram a proteção para os poupadores da caderneta durante décadas. Hoje, ela não faz mais sentido com a economia estável, inflação sob controle e dívida pública em patamares bem baixos. Nesse ambiente, o país pode começar a limpar as “jabuticabas” da política econômica brasileira, mas sem deixar as cascas pelo caminho.
Thais Heredia – Jornalista com experiência na cobertura de economia e política em Brasília.