Um rebuliço no Caramanchão de Manelão (Bar). A galera da fofoca em pânico. Versões desencontradas, preocupação, choro, agonia! A virada do doutor Oseinhas! Os chegantes atônitos: virada de que? Mudou de partido… deixou Misinha (Misael)?
Zé Arrombado, o mais sério da tertúlia: “ Moço, Oseinhas virou o carro na estrada assombrada de Sento Sé e engoliu a língua em três pedaços.” Valei-me Nossa Senhora, que pena… que pena! O doutor não pode mais falar! Exclamou um avexado que passava pelo terremoto no bar de Manelão, este, afilhado do Coronel José Rufino, caçador de lampião, natural da cidade de Jeremoabo.
A tristeza estampada no rosto dos confrades: doutor Leão, Manelão, Cefezinho, Clebernilton Rosa, Michel, Mauricío Amaral e o secretário do acidentado, Tanén, dublé de mestre-cuca, que graças o amor de mãe (estava com o doutor Oseinhas, em Sento Sé e viria no mesmo carro que foi tombado, mas se antecipou, vindo para Juazeiro, para o Dia das Mães, no domingo 13 de maio), quase cufou (morreu), pois o carro ficou quem nem massa de padeiro!
Um estranho, cheio da “branquinha”, “queixão”, sem saber onde “galo estava cantando”: onde está o corpo do homem sem a língua?! Tomou uma porretada no cangote de um vulto, que saiu ligeiro com “uma quente e duas fervendo.” Uma voz fantasma: O doutor de Oxóssi está vivo e o que ocorreu foi uma pisa do Orixá para que ele se cuide e despache os “meninos” nas suas viagens a Sento Sé, estrada esburacada, desprezada pelo governo do estado, em que o tinhoso faz visagem! (já correu muito sangue no passado). De repente, para alegria dos amigos, Manelão deu três saltos para o alto, fez os gestos de cruzar um arco e flecha no peito, manifestado da divindade Oxóssi Matacalombô, identificado como São Jorge, anunciou sua presença com um forte grito, sendo respondido pelos mortais: Oquê Odé! “ Meu fio tá vivo, fica bom e não comê indaga, língua; foi uma pisa por não ter zelado o Orixá e não escutá conseio fio meu Coronel Geraldo!”
Manelão em transe e a confraria no vai e vém do barravento (ansiedade antecipada da chegada do Orixá). Antes da despedida do Orixá protetor dos caçadores, um ponto para ser dito ao doutor Oseinhas, que tivesse cuidado nas viagens a Sento Sé, pois, os “meninos” ainda estão soltos por causa das injustiças do passado e dos inimigos gratuitos: “ Calango estava dormindo na porta do seu buraco, quem tem inimigo não dorme, calango olhe o gato”! “No meio do caminho tem moita de espinhos; olha! a falsidade está no caminho”!
O alívio tomou conta dos camaradas ao ouvirem a verdade sobre o que ocorrera com o doutor protegido do Orixá guerreiro, caçador, rei das matas.
A entidade, Oxóssi, também disse que o secretário-mor, Tanén, foi salvo por ter se lembrado do Dia das Mães, retornando a Juazeiro, senão já estaria morando no canzuá de quimbe (casa dos mortos, cemitério). Após o transe dos confrades, logo, logo, surge Tanén, ansioso por saber de notícias do doutor Oseinhas – Manelão estava terminando de beber água, cambaleante da incorporação do Orixá – quando lhe disseram que faltou pouco para ser de-cujus, foi o bastante para ser pegado por chilique que custou ser recuperado. Ao acordar, pediu água e como um louco gritava: onde está a pasta…, que é dela! Ele não se afasta de uma pasta preta, tipo bruaca, que por certo carrega a papelada do doutor da língua tripartida, que com fé em Deus e na força do Orixá, dono de sua cabeça, sua língua será “consertada” para bem falar em defesa de seus clientes. Camarada é irmão do outro! Todos estavam assombrados com os” botecos de olho” de Manelão, dono do Caramanchão. Sabedores que sou filho da Heroica Cachoeira, Universidade da magia animista contaram-me do episódio inusitado que houve no bar do afilhado do coronel José Rufino, que matou Corisco, cabra de lampião.
Ao receber a notícia, de imediato, falei aos confrades que já tinha avisado ao irmão Oseinhas, que precisava fechar o corpo para se livrar de pragas, pois, no seu ofício, tem que estar de corpo fechado, porque, o Sujo pode atrapalhar os seus caminhos e que desce, também, comida ao seu Orixá; ainda, que não tivesse pena de meter a mão no bolso, pois, seria recompensado. “Oxóssi é bom cavaleiro, faceiro até no andar, quem não faz o que ele manda, ele dá e torna a tomar”!
Como estava de viagem, pedi que o doutor Leão, que é filho de Abaluaê, que avisasse Oseinhas, que não se esquecesse de tomar um banho de cheiro, mas a recomendação que seria pela madrugada, não passasse sabonete, nem toalha, para concentrar os efeitos da água. São componentes afastadores de azar, mau-olhado e que livra de acidentes de carro e que os inimigos nunca irão lhe enxergar. São sete forças, aconselhado pelo catimbó: “raspa de raiz de jurema, folhas de malva branca, manjericão, hortelã, alecrim de folha miúda, arruda e capim-santo.”
Com três dias a língua estará pronta para falar, todavia, Oxóssi pede moderação, caso contrário, o corpo é quem vai pagar! Sendo obediente, atendendo ao seu Orixá, voltará ao trabalho, como um grande criminalista, defensor dos pobres e dos excluídos. O tombo que levou, jamais encurtaria o seu órgão muscular móvel, porque, Matacalombô o prtege, ao menos quando pretende dar uma pisa por desobediência, porém, ele mesmo cura os seus filhos!
Soube que os preceitos e os banhos foram cumpridos e, o doutor Oseinhas agradeceu a Oxóssi e mandou o quase-morto, mestre-cuca, Tanén, seu secretário-mor, preparar três línguas de boi para comemorar a vida e continuar falando sem castigo do dono de sua cabeça, Oxóssi Matacalombô!
SAÚDE
Geraldo Dias de Andrade é Cel. PM/RR –Escritor – Bel em Direito- Membro da Academia Juazeirense de Letras – Cronista – Membro da ABI/Seccional Norte.