A maioria dos ministros STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou o desmembramento do julgamento dos réus do mensalão. Até o fim desta edição, dos onze ministros, sete votaram contra o desmembramento -Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmem Lúcia, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Somente Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram pelo deferimento. Com isso, todos os 38 acusados serão julgados pelo Supremo.
Se o pedido fosse deferido, o STF só julgaria João Paulo Cunha (PT), Valdemar Costa Nego (PR) e Pedro Henry (PP), que atualmente ocupam cargos parlamentares e têm direito a prerrogativa de foro, ou seja, só podem ser julgados pela Corte Suprema. Os processos dos demais réus – inclusive os que eram parlamentares e ministros na época do escândalo – seriam encaminhados aos tribunais de origem.
O pedido de desmembramento foi apresentado pelo advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que faz a defesa de José Roberto Salgado, empresário do Banco Rural. Os advogados Marcelo Leonardo e Sandra Maria Pires, que defendem, respectivamente, Marcos Valério e José Genoino, reiteraram o pedido. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, se manifestou contra o desmembramento.
A questão gerou bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa, relator do processo, e Ricardo Lewandowski, o revisor. Enquanto Barbosa votou pelo indeferimento do pedido, alegando que a Corte já tratou da questão anteriormente e que é “irresponsável voltar a discutir essa questão”, Lewandowski concordou com os advogados e votou pelo desmembramento do processo.
No momento em que argumentava, Lewandowski foi interrompido por Barbosa: “Me causa espécie que tratemos dessa questão agora. Isso é deslealdade”. O revisor retrucou: “me causa espécie que sua excelência queira impedir que eu me manifeste. Acho que é um termo forte que sua excelência está usando”, disse Lewandowski.
Em seguida, o revisor do processo afirmou que Barbosa “dá indícios de que esse julgamento será tumultuado”. Em seu voto, Lewandowski falou durante mais de uma hora, o que fez com que o ministro Ayres Britto, presidente da Corte, pedisse que os colegas fossem breves na análise da questão para não retardar o julgamento.
Na sequência, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Gilmar Mendes seguiram o voto do relator Joaquim Barbosa e indeferiram o desmembramento. Em seu voto, Mendes afirmou que, se não estivesse no Supremo, o processo do mensalão prescreveria. “Esse processo só está chegando a seu termo porque ficou concentrado no Supremo Tribunal Federal”, disse. “Se estivesse espalhado por aí, o seu destino era a prescrição.”
Maior julgamento da história do STF
Os 38 réus do caso do mensalão começaram a ser julgados às 14h25 de quinta-feira (2) pelo STF 2.615 dias após o escândalo emergir, em uma entrevista do então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à “Folha de S.Paulo”, publicada no dia 6 de junho de 2005. As acusações sobre um esquema de compra de apoio ao governo federal deram início ao maior escândalo do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu primeiro mandato.
O julgamento será o maior da história do Supremo, o órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil. O número de réus envolvidos é o maior de um processo já julgado pela Corte. Há ainda a expectativa de que o julgamento venha a ser o mais longo até hoje do STF. Também a complexidade do caso chama a atenção: foram ouvidas mais de 600 testemunhas de acusação e defesa em diversos Estados brasileiros e até no exterior. Os autos da Ação Penal 470 somam mais de 50 mil páginas.
Polêmicas
O julgamento ocorre em meio a críticas de governistas, que consideram que o tribunal deveria aguardar a realização das eleições municipais de outubro sob o risco de haver influência política na decisão dos ministros e vice-versa: o desenrolar do julgamento pode impactar no resultado dos pleitos municipais.
Seis advogados, três deles ligados ao PT, chegaram a entrar no dia 25 de julho com uma representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) solicitando à chefe da Corte, Cármen Lúcia, ministra no STF, que conversasse com seus pares sobre o adiamento do julgamento. O pedido foi negado.
Esse assunto já havia sido alvo de polêmica em maio passado. Na época, o ministro Gilmar Mendes acusou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de pressioná-lo para que a apreciação do mensalão fosse adiada para depois das eleições. Em troca, segundo Mendes, Lula teria oferecido blindagem na CPI do Cachoeira, caso Mendes fosse citado. O ex-presidente negou ter tratado disso com Mendes ou outros ministros.
A oposição também tem se manifestado. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse no último dia 17 de julho que as denúncias mais recentes contra o governador Marconi Perillo (GO) são uma tentativa do PT de usar a CPI do Cachoeira para desviar o foco do mensalão.
Outro ponto que tem sido foco de preocupação é a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, que completará a idade limite de 70 anos no começo de setembro, quando o julgamento ainda poderá estar em curso.
Diante disso, há a possibilidade de Peluso passar à frente de quatro ministros para proferir o seu voto. Os advogados dos réus, contrários a essa mudança, justificam que Peluso deixaria de ouvir os argumentos de sete colegas. No STF, como um ministro pode rever seu voto até o final, a defesa alega que o contraditório ficaria prejudicado.
Também há controvérsia em torno da participação do ministro José Antonio Dias Toffoli. Como ele foi advogado-geral da União e defendeu o PT e José Dirceu, críticos sustentam que há conflito de interesse em julgar o mensalão, no qual Dirceu é um dos réus. Caso o procurador-geral da República alegue a suspeição do ministro no julgamento, a defesa pretende recorrer, com base no Código de Processo Penal e na jurisprudência, afirmando que o prazo para fazer isso acabou nas alegações finais.