Por meio de cartas psicografadas, a família de Ricardo Marques busca forças para superar a perda do filho, morto em um acidente de carro no dia 28 de março de 2010, aos 20 anos. Em mensagens enviadas aos pais, o jovem conta detalhes sobre a vida que leva, revela que sente saudades das conversas com a irmã, Juliana, e da comida da mãe. Para dividir a experiência, os pais de Ricardo planejam lançar um livro com as cartas.
Além do conforto por meio de cartas, Jairo e Sayonara Marques também sentem a presença do filho na casa da família, em Santa Rosa, no Noroeste do Rio Grande do Sul. O quarto do jovem segue intacto, e as conversas sempre incluem Ricardo. A primeira mensagem chegou cinco meses depois da morte do jovem, quando os pais procuraram um centro espírita de Uberaba, em Minas Gerais, cidade conhecida no país por ter sido, durante anos o cenário do trabalho do médium Chico Xavier. Na cidade mineira foram recebidas cinco cartas. Depois, a família começou a buscar as mensagens no interior de São Paulo.
Nas primeiras cartas, Ricardo explicou como aconteceu o acidente e disse que não sentiu dor alguma. “Minha chegada por aqui se verificou entre muitas luzes do Senhor, aqui cheguei no momento imediato do desencarne, pois eu fui poupado das visões infelizes do corpo marcado (…). O carro seguia com naturalidade, a velocidade estava controlada, o diálogo seguia agradável, falávamos do futebol, do Grêmio e não faltavam as brincadeiras. Tudo aconteceu quando um animal cruzou nossa frente, no susto o volante foi puxado, daí para frente foram segundos que não dá para descrever, pois perdi a consciência, tudo foi muito rápido”, explica em uma das comunicações atribuídas pela família a Ricardo.
Jairo e Sayonara reconheceram nas cartas a letra e as expressões usadas pelo filho. E muitos nomes e situações que envolviam pessoas da família, o que para eles é prova de que as mensagens são realmente do filho. A mãe relata uma das passagens em que o filho faz essas citações.
“Ele disse ‘eu estou aqui na companhia de um senhor grisalho que me pede pra chamá-lo de bisa João e de uma senhora de nome que eu não recordo agora, que vocês vão identificar’. O bisa João é meu avô, bisavô dele por parte de mãe, que estava acompanhando o Ricardo na ocasião que transmitiu a primeira mensagem”, conta a mãe. O parente morreu 20 anos antes de o jovem nascer. “Na última mensagem que ele transmitiu em Uberaba, ele disse que estava na companhia da vó Zaida, que é a minha mãe”, conta.
Nas mensagens, Ricardo conta que agora vive em uma cidade espiritual chamada Colônia Espiritual Fabiano de Cristo, que fica geograficamente sobre a cidade paulista de São José do Rio Preto. Ele descreve o ambiente e o clima da nova morada. “Com a permissão do alto, desejo relatar o ambiente onde vivo hoje. Neste local, os caminhos são ladeados por flores campestres e seu colorido e aroma nos dão a sensação de paz primaveril. As árvores gigantes tecem formosa sombra oferecendo descanso convidativo. O clima tropical se assemelha ao litoral, onde a umidade relativa do ar não perturba. O céu durante o dia é tão claro e seu azul descende da turquesa”, explica.
Na sequência, ele descreve como são as casas do local e como ocorre a alimentação. “Os alimentos frugais são estímulo e energia, e não somente saciedade. Os utensílios domésticos não se diferenciam muito dos da Terra”, afirma.
A pisicografia é bastante divulgada no Brasil. Em 1971, o médium Chico Xavier deixou atônitos público e convidados do programa Pinga Fogo, da extinta TV Tupi ao receber ao vivo uma mensagem de seu guia espiritual, Emmanuel. As cartas de Chico consolaram pais por décadas. Mesmo assim, muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre como esse processo ocorre. Em visita a Porto Alegre, o médium espírita Divaldo Pereira Franco falou mais sobre a comunicação.
“Os guias espirituais se encarregam de fazer o acoplamento porque nem sempre os desencarnados conhecem a técnica. Como todos nós temos uma radiação do perispírito, chamada aura, o espírito acopla-se naquela aura e automaticamente a glândula pineal do médium, o sistema nervoso central, recebe a descarga energética chamada de descarga fluídica. Sendo o médium um sonâmbulo automático, a mão logo dispara e a escrita se faz mecânica”, explica.
Mas o próprio Divaldo faz uma alerta. É preciso que as pessoas tomem cuidado com falsos médiuns e charlatões. “Há muitos deles por aí. Se aproveitam da fragilidade das pessoas que perderam entes queridos e as enganam. A melhor maneira de se proteger é não dar informações. Diga apenas o nome do desencarnado e a data. Se o médium for sério, a mensagem virá. As vezes na ânsia de receber notícias as pessoas contam todos os detalhes da vida daquele que partiu e depois o charlatão se aproveita disso”, afirma.
Os pais de Ricardo preparam um livro com as mensagens do filho. Querem dividir a experiência com outros pais. As cartas aliviam o coração. “Isso não nos tira a vontade imensa de todos os dias acordar e ver nosso filho. Mas traz uma alegria muito grande no sentido de saber como é a vida dele”, conta Sayonara.
“Isso é nosso, somos humanos, apegados à matéria. Então essa presença física, parece que a gente precisa ter isso, mas a gente com certeza vai evoluir. A gente está aí pra isso”, completa o pai.