
O presidente da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Saul Quadros, além de defender a corregedora do CNJ, Eliana Calmon, das críticas que vem sofrendo, endossa as palavras dela ao ressaltar que “temos dentro da magistratura pessoas que não são dignas de vestir a toga”.
Em entrevista à Tribuna da Bahia, Saul, que tem atuado para fortalecer a entidade, sobretudo no interior do Estado, disse discordar da perda de poderes do CNJ e reiterou a cobrança feita ao Tribunal de Justiça sobre a divulgação dos nomes dos servidores e juízes que tiveram uma evolução patrimonial ‘atípica’.
Direto, o presidente da OAB disse ainda não reconhecer no Ministério Público “nenhuma autoridade para impedir que a Câmara de Vereadores aprove ou desaprove um determinado projeto de lei porque são eles quem nos representam, inclusive representam os próprios representantes do Ministério Público, seja ele estadual, federal e trabalhista”.
Leia parte da entrevista:
Tribuna da Bahia – A ministra Eliana Calmon mexeu num vespeiro. Como avalia as críticas que ela vem sofrendo?
Saul Quadros – Eu acho que as críticas feitas à ministra Eliana Calmon são injustas porque ela disse uma verdade que todo mundo sabia. Nós temos dentro da magistratura pessoas que não são dignas de vestir a toga e essas pessoas maculam a magistratura. Talvez as palavras da ministra possam ter sido, em seu primeiro momento, contundentes e chocantes. A ministra não generalizou, mas particularizou, e o que ela disse é o que todo mundo sabia e mantinha como se fosse uma caixa-preta, sem que fosse aberta, sem que se tomasse conhecimento. E ela sabe que era assim, nós todos sabemos que é assim, e um ministro do STJ inclusive acabou afastado, sendo acusado de corrupção. Então, quando a ministra se referiu àqueles que são indignos de vestir a toga, nós todos sabemos, advogados, Ministério Público e a própria magistratura e a sociedade como um todo conclui que muitos juizes já deveriam ter saído de lá para que a magistratura ganhasse a estatura que merece como Poder da República.
Tribuna – Acredita que a ministra Eliana Calmon conseguirá reverter a decisão do Supremo e manter o poder de investigação do CNJ?
Saul – Não é só a ministra Eliana Calmon não. Somos todos nós e toda a sociedade civil, todo meio jurídico, o próprio CNJ vem de uma fração de muita importância porque você já tem seis que são favoráveis, chamando a atenção do poder do CNJ. Ninguém quer que o CNJ seja cerceado em seus poderes porque é preciso que exista um órgão externo de controle à magistratura. Nós não saberíamos nada do que está acontecendo agora se não existisse o CNJ.
Tribuna – O senhor cobrou do Tribunal de Justiça os nomes dos servidores que tiveram uma evolução patrimonial atípica. Eles já informaram os nomes dos responsáveis pela movimentação de R$145,4 milhões?
Saul – Em razão dessa solicitação que foi feita pela Corregedoria ao Coaf, eles fizeram um levantamento de toda a vida pregressa do ponto de vista financeiro e não do ponto de vista pessoal, portanto, não há nenhuma violação à intimidade e eles encontraram o que classificaram de movimentações financeiras atípicas, o que significa isso? Significa que fugiu do padrão. Não significa dizer que há irregularidade em todos eles. Dessas três mil e duzentas e tantas pessoas que estão com essas suspeitas de anormalidade em seu crescimento pessoal não se pode dizer que todas estejam envolvidas em irregularidades, mas é preciso que seja apurado, ou então nós vamos ter um comprometimento da magistratura inteira. Pode ser que desses três mil não tenham nada a ver com isso, mas é preciso saber quem são essas pessoas. Eles precisam ser nominados e punidos. O que me disse a presidente, Telma Brito, é que ela não tinha esses nomes, inclusive ela leu o nosso ofício no pleno do Tribunal e disse que iria encaminhar ao CNJ e ao próprio Coaf para que o órgão preste os esclarecimentos que a OAB está solicitando. A OAB vai esperar isso até o final de janeiro, porque até lá a desembargadora determinou que todos os magistrados da Bahia, todos os servidores apresentem as suas declarações de imposto de renda. Depois disso vamos ver qual posição a OAB passa a tomar a partir desse momento.
Tribuna – Quando serão as próximas eleições da OAB Bahia? Qual a situação?
Saul – Quando nós chegamos à OAB – eu não gosto de falar muito nisso porque é passado – mas encontramos, lamentavelmente, uma situação de muita dificuldade, que nunca se registrou na história da Ordem. Chegamos a ter mais de 50 títulos protestados, depois de dois a três anos, a Ordem recebeu uma ação de cobrança de valores não recolhidos ao INSS, uma ação de mais de R$ 800 mil. A OAB devia ao Conselho, à Caixa de Assistência, devia a meio mundo. Quando eu cheguei à Ordem, nós recebemos o caixa com R$5 mil e um débito a pagar de quase R$ 600 mil. Nós resgatamos a credibilidade financeira e do mesmo modo resgatamos o prestígio e o respeito, o que me orgulha muito, como orgulha a todos aqueles que compõem a atual diretoria e a diretoria passada que eu também tive a oportunidade de presidir. Estamos em um ano eleitoral e a eleição deve ocorrer na segunda quinzena de novembro. Temos diversos nomes para a minha sucessão e eu não quero ser candidato mais, pois já completei o meu ciclo. Seis anos à frente da entidade é uma vida e a entidade precisa se reoxigenar, os jovens precisam ter espaço na nova diretoria, no novo conselho. Para a eleição, acho que podemos conseguir sim uma chapa de consenso sem maiores problemas. Eu acredito que o grupo se mantém unido e que possa enfrentar possíveis adversários que estejam na oposição e que até agora não apareceram. Nós tivemos o primeiro mandato de três anos e fomos confirmados numa reeleição com mais três mil votos de frente e durante esses dois anos ninguém se arvorou a fazer qualquer tipo de política mais séria ou mais contundente contra o comportamento da atual diretoria porque não se tem margem para isso mesmo. Ninguém apareceu fazendo oposição. Mas haverá o momento com certeza, quando a entidade estiver próxima à eleição vai aparecer porque só aparecem candidatos quando a Ordem está bem, quando está mal só aparecem dois.
Tribuna – Como vê as críticas aos exames da Ordem?
Saul – As críticas aos exames da Ordem são em decorrência muitas vezes daquelas pessoas que lamentavelmente fizeram um, dois exames da Ordem e perderam. Essas pessoas são muitas vezes capacitadas e que têm conhecimento jurídico, mas um fato de ordem psicológica as impedem de vencer aqueles obstáculos. Tem muita gente nervosa, muita gente estressada e tem muita gente que perde o controle no exame de ordem. A discussão a respeito da constitucionalidade está vencida. O Supremo Tribunal Federal declarou que é constitucional. O jovem conclui o curso de bacharelado em Direito, e aí ele pode ser advogado, pode ser delegado de polícia, assessor jurídico, consultor jurídico. Você imagina que em São Paulo tem mais faculdades de Direito do que nos Estados Unidos, e em todo o Brasil tem mais faculdades de Direito do que o resto do mundo. A Bahia tem 56, São Paulo tem mais de 230, Minas Gerais mais de 150, quer dizer é um absurdo. É preciso que essas pessoas que vêm para a profissão tenham no mínimo preparo para tomarem conta de um processo, para requerer uma recuperação judicial de uma empresa, para entrar com um recurso numa reclamação trabalhista. Se essas pessoas não estiverem qualificadas, os seus clientes vão sofrer enormemente. A advocacia é que vai ter as consequências negativas, em razão do exercício da profissão daqueles que não se encontram adequados.
Tribuna – Como cidadão, como avalia o estado em que se encontra Salvador hoje?
Saul – Eu acho que a cidade de Salvador merece uma atenção muito maior. Compreendo os esforços de seus administradores. Eu fui procurador geral do município há cerca de 20 anos e vi a dificuldade que tem para administrar essa cidade. Agora se você não eleger prioridades, não tiver planejamento, você vai ficar fazendo uma ruazinha calçada aqui, tampando buracos acolá, melhorando uma praça pública, colocando meia dúzia de poste de iluminação ali. A cidade de Salvador, ultimamente, com todo respeito a quem está na administração, mas esses administradores não tiveram planejamento. Você tem que ter um plano de ação para seguir esse plano de ação. Ficar administrando a cidade sendo mero atendedor de problemas de última hora, isso é muito ruim. A nossa capital, com todo o respeito ao prefeito João Henrique, de quem eu gosto e sou amigo pessoal e admiro, precisava ter uma força-tarefa e uma atenção muito maior, apesar das dificuldades que Salvador tem como um cidade dormitório. As indústrias que chegam vão sempre para a grande Região Metropolitana, Camaçari, Candeias e outros municípios e nós aqui somos verdadeiros hospedeiros daqueles que trabalham lá. Salvador vive assim há muito tempo. Mas acho que a nossa cidade precisa de mais energia, dedicação e devoção de nossos administradores, precisa mais de planejamento.