Assim como eu, ao que tudo indica, meu filho Vicente também será um perna de pau. A constatação – que a muitos deve parecer um tanto óbvia – só tornou-se realmente possível a partir do próprio interesse dele pelo esporte bretão, influenciado por alguns colegas que no início deste ano se matricularam numa escolinha de futebol. Num primeiro momento a iniciativa me deixou bastante entusiasmado, afinal aí estava uma grande oportunidade de lavar a honra da família, manchada por passagens nada edificantes dentro das quatro linhas, estas que permearam toda a minha infância. No mais, o afã esportivo do irmão mais velho acabou contagiando também a Bethânia, que pediu para entrar no Ballet. Filho boleiro, filha bailarina, que pai não se orgulharia disso? Pelo roteiro oficial, só me faltaria comprar uma caminhonete com bastante espaço no bagageiro, ganhar uns dez quilos de pança e passar o resto dos meus dias assistindo TV de chinelão, escorado no sofá por uma daquelas almofadas gigantes em formato de coração.
Ainda nas primeiras aulas, no entanto, ficou bastante evidente que a missão de transformar aquele pequenino ser, magrinho e meio distraído, num jogador apenas razoável seria comparável, se não a todos os doze juntos, ao menos a um dos trabalhos de Hércules. Um forte indício disto poderia residir no fato de que, à exceção do Vicente, todos os demais integrantes da turma eram daquele tipo de garoto que, antes mesmo de perder os primeiros dentes, já sabem recitar de cor a escalação do Galatasaray e que, independente da ocasião, vestem camisas oficiais de grandes times europeus. Na arquibancada chegava a ser engraçado observar o engajamento dos pais, a partir de comentários do tipo “vai na bola, fecha a marcação!” ou “essa zaga é uma peneira!”, sobretudo se pensarmos que a imensa maioria dos jogadores, não faz muito tempo, provavelmente ainda molhavam suas camas à noite. Enquanto a disputa acirrava-se entre os filhos dos outros, não raro o meu preferia fazer air guitar enquanto, entediado, esperava a bola chegar de volta ao seu gol, o que, além de muito divertido, sempre me pareceu uma atitude justificável.
O abismo entre o que aquela experiência significava para mim e meu filho comparada aos coleguinhas e seus respectivos pais irrompeu de forma abrupta, como não poderia deixar de ser. E eis que um dia, após deixar passar uma bola defensável, Vicente toma uma voadora nas costas de um companheiro de time, supostamente cansado de lidar com sua incontestável inabilidade. Neste dia, meus amigos, confesso que morri um pouco; talvez por essa ter sido para ele a primeira manifestação de como viver é um troço complicado, e, para mim, da certeza de que nem todo o amor do mundo será capaz de poupá-lo das inevitáveis dores do crescimento. No instante em que a vida lhe apresentou sem rodeios suas credenciais, meu impulso foi pegá-lo no colo e, flutuando, chegar a um planeta distante, algo parecido com o Asteróide B612, onde a Rosa e o Pequeno Príncipe certamente nunca proporiam uma partida de futebol como maneira de atenuar a monotonia espacial.
A despeito de minha aterradora sensação de impotência, Vicente levantou-se do chão e, sem esboçar qualquer reação, seguiu no jogo. Chegando em casa, não tocou mais no assunto, nem eu, e foi assim que lidamos com isso. Para vocês que ainda não têm filhos, são em horas como estas que toda a convicção forjada ao longo dos anos como pais e mães cai por terra. Frente a enorme responsabilidade de legendar uma contundente mensagem trazida pelo destino, que lição deveria ser tirada do incidente? Uma pista de como proceder veio através de uma lembrança muito distante, mais especificamente, de quando eu tinha uns 8 anos e fui soltar pipa com o meu pai no Aterro do Flamengo. Apesar de todo o empenho dele em me passar instruções, naquela tarde de domingo, foram várias as que perdi para a malandragem e o cerol dos oponentes. E a cada pipa que me cortavam, meu pai fazia a única coisa que eu poderia esperar dele: não se abatia, nem reclamava, apenas comprava outra. Lá pela quinta ou sexta eu mesmo cheguei a conclusão de que aquilo não estava dando certo e decidi parar. O mesmo aconteceu com o Vicente, que algumas semanas depois do episódio me pediu para trocar o futebol pelo judô.
As duas histórias me fazem concluir que o maior legado que se pode transmitir a um filho é a certeza de que qualquer sonho vale a pena contanto que acreditemos neles, e que cabe a nós, pais, assegurar que estes sejam tão doces e duradouros quanto puderem ser.
Feliz dia dos pais!
por Bruno Medina