Mensalão é ‘incomum’ e exige julgamento ‘peculiar’, diz Ayres Britto

Caso será principal missão do ministro, que assume o STF nesta quinta. Escândalo do mensalão, de 2005, foi o maior do governo Lula.

O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para dar posse na próxima quinta-feira (19) ao novo presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, 69 anos. Logo no início do mandato, o jurista sergipano terá a missão de organizar o julgamento de um dos principais processos da história do tribunal, o chamado mensalão.

A ação penal, que apura a responsabilidade de 38 réus no suposto esquema de compra de apoio político durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, espera somente a liberação do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, para entrar na pauta de julgamentos.

Nos bastidores, os ministros já discutem mudanças na rotina do tribunal para julgar o caso. O risco de prescrição, o número de réus, que terão uma hora cada para se defender, as 600 testemunhas ouvidas e a complexidade dos fatos narrados nos autos vão exigir uma força-tarefa para que o julgamento ocorra antes do período eleitoral.

Para o presidente eleito do STF, um caso “incomum” precisa de uma “tramitação peculiar”, mas Ayres Britto afirma que o tratamento especial não pode ser entendido como parcialidade.

“É um processo incomum por essas características e, como há risco de prescrição pelo tempo transcorrido, exige uma tramitação peculiar, sessões de julgamento formatadas num modo peculiar. Sem que isso signifique absolutamente perda de isenção da nossa parte”, disse.

Entre as alternativas em debate, estão realizar sessões todos os dias da semana e não apenas às quartas e quintas-feiras, como de costume, e estender o julgamento durante o recesso de julho.

O novo presidente do STF pratica meditação, escreve e publica livros de poesia e recomenda aos colegas juízes mais cinema, teatro e literatura. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao G1.

G1 – O mensalão vem sendo chamado de o julgamento do século no Judiciário brasileiro. Na opinião do senhor, trata-se de um julgamento mais importante do que outros que trataram de temas sociais, como a união homoafetiva, Lei da Ficha Limpa ou aborto de fetos sem cérebro?

Ayres Britto – É um processo incomum. Basta lembrar: são 38 réus – alguns da área política – com ares de repetição de algo acontecido em Minas Gerais, com 600 testemunhas e que estará pronto para ser julgado em ano eleitoral. Em suma, é um processo incomum por essas características e, como há risco de prescrição pelo tempo transcorrido, exige uma tramitação peculiar, sessões de julgamento formatadas num modo peculiar. Sem que isso signifique absolutamente perda de isenção da nossa parte. O processo é incomum. E o que é incomum exige uma formatação incomum, mas sem o menor risco da nossa parte de incorrer em perda do critério absolutamente necessário da imparcialidade.

G1– A relevância política do caso justifica um tratamento especial? O Supremo está preparado para julgar o mensalão?

Britto – Faz parte dos encargos do Supremo Tribunal Federal. Ele existe para encarar processos simplificados, processos de média complexidade e processos de alta complexidade. O Supremo é uma instituição preparada para esse tipo de enfrentamento. Claro que não é rotineiro procedimentalmente, mas na cabeça do julgador é como outro qualquer.

G1 – Muda a postura do juiz ao julgar os réus do mensalão pela posição de poder que ocupam ou por suas relações com o poder?

Britto – Pessoalmente, entendo que não. Réu é réu, acusado é acusado, independentemente do cargo por ele ocupado. Do ponto de vista do que interessa para nós julgadores, que é perseverar no critério da imparcialidade, não. Nós já somos curtidos nesses embates processuais em que os acusados ocupam cargos elevados.

G1 – Nesse caso, se fala muito de quanto o Supremo e o Judiciário têm sido chamados a decidir questões políticas e também se critica o fato de o STF ser permeável demais e “jogar para a plateia” ou fazer populismo judiciário. O mensalão será julgado para a plateia?

Britto – O juiz que joga para a plateia vale menos que a bola. Eu digo isso com toda a sinceridade. O que o Supremo pode – e como qualquer juiz pode – é auscultar os anseios e expectativas da sociedade, os reclamos da sociedade mais contemporâneos, mais arejados mentalmente, mais libertos de preconceito. Você soube isso. E vai ver se é possível dar uma resposta decisória tecnicamente fundamentada. Se você der uma resposta tecnicamente fundamentada a um anseio coletivo, isso é cientifico. Você concilia o direito com a vida.

O juiz que joga para a plateia vale menos que a bola”

Carlos Ayres Britto, ministro do STF

G1 – Outra crítica que o Supremo tem recebido é sobre o excesso de ativismo, que faria o tribunal tomar o lugar do Legislativo criando regras ao decidir sobre questões judiciais. O STF legisla ao julgar?

Britto – O Judiciário não está produzindo sentenças aditivas. Eu rechaço isso. Aditivo é o que você acrescenta, nós não podemos acrescentar algo à lei e à Constituição Federal. Não podemos. O que estamos fazendo é uma interpretação mais principiológica mesmo do texto constitucional. Se o legislador silenciar, o Judiciário é obrigado a silenciar. Na omissão do legislador, o Judiciário tem que dizer: “não há lei. A ação não pode ser julgada porque falta base legal”. Eu rechaço veementemente essa acusação de que o Judiciário, a partir do Supremo, está inovando a ordem jurídica e produzindo norma. O que Supremo tem feito é interpretar a Constituição.

G1 – Em um mandato encurtado pela aposentadoria compulsória [Ayres Britto completa a idade limite de 70 anos em novembro e terá de se aposentar], o que sr. pensa ser possível fazer para tornar o Supremo mais eficiente do ponto de vista prático?

Britto – Eu não considero sete meses pouco tempo. Tenho dito que vamos tentar fazer do breve, o intenso. Outro dia uma revista publicou que eu faria em sete meses o que Juscelino [Kubitschek] fez: 50 anos em cinco anos. Eu não disse isso. Minha caneta não é vara de condão. Num passe de mágica, eu não vou fazer uma revolução no Judiciário. O que eu posso fazer é um estilo de administração que possa trazer alguns resultados bons. Tenho chamado isso de estilo dialogal, compartilhado de gerenciamento. Vou conversar muito com as pessoas e já estou fazendo isso.

G1 – Depois de uma gestão marcada pela maior crise da história do Judiciário, tendo como pivô o Conselho Nacional de Justiça, como o sr. pretende lidar com a relação de conflito entre juízes e CNJ?

Britto – Essa relação já passa por um processo de atenuação neste momento e que tenderá a desembocar na plena harmonia. Na compreensão mais arejada, até tecnicamente, do papel do CNJ enquanto conteúdo e do Judiciário enquanto continente. Na prática, a gente nota que, como o CNJ tem apenas sete anos, é natural que ele esteja à cata de sua própria identidade jurídica. Também tem havido um confronto meio surdo, não muito notório, interno entre os juízes auxiliares e os próprios conselheiros.

G1 – O sr. concorda que é preciso abrir o Judiciário para a fiscalização da sociedade?

Britto – Sou simpatizante do CNJ. Erram os que pensam que o Judiciário pode passar muito bem sem o CNJ, que, para mim, é uma ferramenta de trabalho imprescindível. Eu entendo que o Judiciário nasceu com um déficit de republicanismo, de controle. A constituição originária entendeu que bastava, para o controle interno do Judiciário, o trabalho das corregedorias dos tribunais. A prática veio demonstrar que as corregedorias dos tribunais são necessárias, mas não são suficientes.

Eu não sei se funciona na prática, mas é bom recomendar aos juízes mais cinema, mais teatro, mais poesia, recomendar aos juízes a leitura de textos literários. Nós temos medo da subjetividade, queremos um juiz só objetivo, um autômato, quase uma máquina.”

Carlos Ayres Britto, ministro do STF

G1 – O Judiciário tem se colocado na vanguarda de temas polêmicos para a sociedade que, por esse motivo, enfrentam dificuldades em outros poderes, como a união homoafetiva e o aborto. O Judiciário tecnicista e fechado deve se adequar à nova realidade?

Britto – Pretendo colocar pilha nas escolas de formação de magistrados. Essa é outra das minhas prioridades. Entendo que o magistrado, sem prejuízo do seu refinamento de tecnicidade, da sua formação cartesiana lógica… eu pretendo colocar ênfase no lado direito do cérebro para mostrar que este é o lado da intuição, da imaginação criativa, da contemplação.

G1 – Mas, na sua opinião, há abertura para essa mudança?

Britto – Podem dizer que isso é quixotismo. Eu não sei se funciona na prática, mas é bom recomendar aos juízes mais cinema, mais teatro, mais poesia, recomendar aos juízes a leitura de textos literários. Nós temos medo da subjetividade, queremos um juiz só objetivo, um autômato, quase uma máquina. Os congressos vão discutir num futuro próximo a simplicidade do juiz como postura, que se comporta de modo simples sem autoritarismo, sem pose. Acho que isso vai ajudar muito o Judiciário. Vamos deixar de tanto rebuscamento, de tanto juridiquês, de tanto latinório. Vamos falar mais claramente para o público. Mas você diz: “Sete meses são pouco para isso?” Mas, como semente, como semeadura está bom. O tempo é bom. Se a semente vai vingar é outra coisa, mas você plantou.

Leave a Comment

Your email address will not be published.

Política Relevantes

Lula visita Juazeiro no próximo dia 17 de julho e deve anunciar investimentos na saúde

post-image

Juazeiro vai receber, no próximo dia 17 de julho, a visita do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em um momento simbólico: o mês de aniversário da cidade. Esta será a primeira vez que Lula visita Juazeiro desde o início de seu terceiro mandato.

Com exclusividade para a RedeGN, foi confirmado que o presidente deverá anunciar novos investimentos para a Rede Interestadual de Atenção à Saúde do Vale do Médio São Francisco, a conhecida Rede PEBA, que integra municípios da Bahia e de Pernambuco em uma cooperação federativa voltada ao atendimento em saúde de média e alta complexidade.

Os detalhes do pacote de investimentos ainda não foram divulgados pelo Palácio do Planalto, mas a expectativa é de que envolvam a ampliação dos serviços e da infraestrutura hospitalar que atende milhares de pessoas na região.

Política Relevantes

Inss: Aposentados e pensionistas podem aderir a acordo a partir desta sexta (11)

post-image

A partir desta sexta-feira (11), os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vítimas dos descontos ilegais de mensalidades associativas poderão aderir ao acordo de ressarcimento proposto pelo governo federal.

Homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o plano de restituição dos valores deduzidos sem a autorização dos segurados do INSS é fruto de um acordo entre o Ministério da Previdência Social, o INSS, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Aderindo ao acordo, os segurados com direito à reparação financeira receberão em suas contas, em uma única parcela e sem precisar aguardar por uma decisão judicial, todo o valor descontado ilegalmente entre março de 2020 e março de 2025, corrigido pelo Índice Nacional de Preços…

Read More
Política Relevantes

Guerra Comercial: Trump pode lançar bombas atômicas no Brasil, diz Flávio Bolsonaro

post-image

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) defendeu que o governo Lula (PT) ceda às pressões externas impostas pelos Estados Unidos após a taxação de 50% sobre as exportações brasileiras, anunciada pelo presidente Donald Trump.

Em entrevista à CNN Brasil, o filho “01” de Bolsonaro fez um alerta a população brasileira usando uma metáfora sobre bombas atômicas, caso os pedidos de Trump não sejam acatados.

“Não estamos em condições normais de exigir nada. Ele vai fazer o que ele quiser, independente da nossa vontade. Cabe a nós termos a responsabilidade de evitar que caiam duas bombas atômicas no Brasil, para depois anunciar que vamos fazer anistia”, disse.

A declaração do senador leva em conta as falas do chefe da Casa Branca sobre o seu pai. Isso porque Trump mencionou que o Judiciário do país vem realizando…

Read More
Política Relevantes

Lula deve discutir com Hugo proposta de ampliação de deputados

post-image

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve discutir com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a proposta de aumento do número de deputados federais.

O petista ainda não tomou uma decisão se irá sancionar ou vetar a proposta. Sinalizou, no entanto, preferência por deixar a sanção do projeto de lei caducar para que o Poder Legislativo promulgue a proposta.

A ideia é de que, antes de anunciar a sua decisão, Lula consulte Hugo Motta, principal defensor da proposta. E também converse, na próxima semana, com a equipe jurídica da Presidência da República.

O prazo do presidente é 16 de julho. A ideia é de que ele converse com a equipe jurídica no dia 14 de julho. E, ainda neste semana, se reúna com o presidente da Câmara dos Deputados.

Política Relevantes

Trump ameaça países que se alinhem ao Brics com tarifa de 10%

post-image

“Reiteramos nosso apoio a um sistema multilateral de comércio baseado em regras, aberto, transparente, justo, inclusivo, equitativo, não discriminatório e consensual,…

Em meio à reunião de cúpula do Brics, que ocorre no Rio de Janeiro, o presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, ameaçou taxas extras a produtos de países que se alinhem ao grupo, formado por 11 nações, entre elas, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A publicação foi feita em seu perfil na rede Truth Social.

“Qualquer país que se alinhe às políticas antiamericanas do Brics será taxado com tarifa extra de 10%. Não haverá exceções a essa política. Obrigado pela atenção em relação a essa questão”, escreveu Trump.

No domingo (6), a declaração de líderes do Brics criticou medidas protecionistas adotadas no comércio global. 

“Reiteramos nosso apoio a um sistema multilateral de comércio baseado em regras, aberto, transparente, justo, inclusivo, equitativo, não discriminatório e consensual,…

Read More
Política Relevantes

De olho em 2026, Neto fala em ‘sentimento de mudança’ 

post-image

O vice-presidente nacional do União Brasil, ACM Neto, declarou, durante conversa com a imprensa em Governador Mangabeira, no Recôncavo baiano, que sente “um desejo cada vez maior de mudança” por parte da população baiana. “Primeiro, não estamos em eleição. Não há nenhuma disputa eleitoral colocada nesse momento. Inclusive, as minhas visitas, caminhadas e viagens pelo interior… nossa presença não está vinculada a nenhum calendário eleitoral, porque esse ano não é um ano de disputa”, afirmou.

Neto, porém, observou uma percepção crescente por parte da população em relação à necessidade de mudança. “Eu sinto no contato com os baianos que há um desejo cada vez maior de mudança. Há um sentimento muito forte dos baianos de mudança, um desejo de que haja algo diferente para o futuro”, disse.

O ex-prefeito também voltou a criticar o governador Jerônimo Rodrigues…

Read More
Política Relevantes

Brasil assume Mercosul com proposta de mais integração regional

post-image

Ampliação comercial, promoção da transição energética, desenvolvimento tecnológico, combate ao crime organizado e enfrentamento das desigualdades sociais. Essas são as cinco prioridades para a próxima presidência do Mercosul, que será exercida pelo Brasil no segundo semestre deste ano.

As pautas foram apresentadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quinta-feira (3), durante a 66ª Cúpula do Mercosul, em Buenos Aires, na Argentina, quando recebeu a coordenação do bloco sul-americano do presidente argentino, Javier Milei. 

O encontro reúne os líderes dos países-membros Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, além da Bolívia, que está em processo de adesão, e países associados, para discutir temas prioritários do bloco.

A presidência brasileira também buscará o fortalecimento da Tarifa Externa Comum (TEC), a incorporação dos setores automotivo e açucareiro ao regime comercial do bloco,…

Read More
Política Relevantes

Lula propõe feriado nacional em 2 julho

post-image

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso Nacional, na terça-feira (1°), um projeto de lei para tornar o dia 2 de julho feriado nacional da consolidação da independência do Brasil. A data marca a expulsão definitiva das tropas portuguesas do Brasil, em 1823, um ano após a Proclamação da Independência pelo imperador Pedro I, no dia 7 de setembro de 1822.

O dia 2 de julho marca a Independência da Bahia e é feriado estadual.

“É verdade que D. Pedro fez o grito da Independência, todo mundo sabe disso, mas pouca gente sabe que foi no dia 2 de julho de 1823 que, na Bahia, os baianos conseguiram fazer com que os portugueses voltassem para Portugal definitivamente”, afirma o presidente em vídeo postado nas redes sociais.

Nas imagens, Lula aparece ao…

Read More