Por que a franquia de dados na internet é absurda e o que ela causará

Recentemente, a Anatel, agência que regula as telecomunicações no Brasil, anunciou que autorizaria a limitação do consumo de dados de internet pelas operadoras. Depois, voltou atrás por “tempo indeterminado”, devido à forte rejeição popular à medida. A crítica foi tamanha que já ensejou o pedido de uma CPI da Anatel no Congresso e a realização de uma audiência pública sobre o tema no Senado, convocada para esta terça-feira 3.

Motivos para a grita dos consumidores não faltam. Até hoje, o negócio funciona assim: na internet móvel (celular), contratamos uma determinada velocidade e volume de dados para se utilizar por mês, seja no plano pós-pago, seja no pré-pago.

Quando o volume de dados previsto na franquia se esgota, a velocidade contratada deixa de valer e praticamente inviabiliza a navegação. Na internet fixa instalada nas casas, escritórios e estabelecimentos que oferecem acesso via wi-fi, até hoje a diferença contratual é apenas em função da velocidade, sem um limite máximo de consumo de volume de dados por mês.

Citando uma comparação que tem sido usada pelas operadoras: se a internet fosse água, a velocidade seria equivalente ao tamanho da boca do cano instalado na sua casa e o volume de dados seria equivalente ao volume de água consumido. Se você quer uma velocidade maior, contrata um cano mais largo. E, independente da largura do cano, não paga pela quantidade de água que consome; ela é ilimitada. Parece um erro, não?

Acontece que há uma diferença básica entre água e os dados da internet. Enquanto o primeiro é um bem finito e pode acabar – fazendo sentido não permitir seu consumo ilimitado ou então a cobrança diferenciada para quem consome mais –, no caso dos dados de internet eles são infinitos e o funcionamento das aplicações varia apenas em função da velocidade de transmissão desses dados.

Limitar o consumo de dados na internet fixa terá enormes impactos para os usuários da rede. O primeiro deles será justamente para aqueles que, hoje, apenas possuem acesso à internet via aparelhos celulares, e que são a maioria da população.

Apenas 50% dos lares brasileiros estão conectados por planos de internet fixa, e nas classes D e E esse índice não passa de 14%. A esmagadora maioria da população se conecta, portanto, apenas através do celular. Boa parte desse grupo não tem mais de cinco reais por mês para gastar em um plano pré-pago. Essa condição faz com que seus planos tenham volumes de dados ofertados muito baixos e, em poucos dias ou horas, sua navegabilidade fique comprometida.

Para continuar navegando no restante do mês, essa enorme parcela da população utiliza o acesso via wi-fi nos mais diversos estabelecimentos Brasil afora. Se o volume de consumo de dados também for limitado na internet fixa, serão raros os locais que vão oferecer acesso gratuito via wi-fi, e a imensa maioria da população ficará simplesmente sem qualquer possibilidade de conexão.

O outro grande impacto será na forma como se navega na rede fixa e se utilizam as aplicações disponíveis na rede. A mudança será brutal. Não se poderá mais assistir a quantos filmes quiser, assistir aulas em cursos de educação à distância, jogar por muito tempo ou fazer longas ligações pelos aplicativos. Quem fizer isso, terá seu pacote de dados esgotado rapidamente. E é justamente isso que as operadoras de telecomunicação querem barrar.

Interesses comerciais e não limitações técnicas

Alegando motivos técnicos para impor a franquia limitada de dados na internet fixa, na realidade, o oligopólio nas telecomunicações busca interesses puramente comerciais. Para compreendê-los, é preciso analisar como a convergência tecnológica vem diminuindo o vasto mercado de telefonia fixa e móvel, internet fixa e móvel e TV por assinatura – serviços explorados hoje por poucas empresas transnacionais.

A possibilidade de se fazer ligações por Skype ou pelo Whatsapp, por exemplo, reduziu fortemente o mercado da telefonia móvel e fixa. Ao mesmo tempo, Netflix, HBO On Demand, YouTube Red e outros canais de conteúdo com preços mais baratos do que os caros pacotes de TV por assinatura estão aniquilando o faturamento das empresas que, até pouco tempo, tinham a exclusividade da oferta deste tipo de conteúdo.

As operadoras Vivo, Claro (NET), Tim e Oi tentaram de toda forma cobrar essa perda de mercado das empresas de conteúdo e das aplicações de internet. Queriam poder reduzir a velocidade de aplicações como o Netflix, YouTube, Whatsapp ou Skype se elas não pagassem pelo direito de funcionar adequadamente na rede.

Mas o Marco Civil da Internet consagrou o princípio da neutralidade de rede no Brasil, obrigando as operadoras de infraestrutura a serem neutras em relação ao conteúdo que trafega em seus cabos. Não conseguindo extorquir as empresas de conteúdo, partem agora para a tentativa de extorquir o consumidor.

Mas o argumento de que é inviável oferecer acesso ilimitado à internet é absolutamente falacioso do ponto de vista técnico. A rede fixa está desenhada para entregar determinada velocidade em determinado ponto. O que importa é a largura do cano e não quantos dados irá passar naquele ponto durante o mês.

Se o volume de dados utilizados na rede como um todo está crescendo – e isso é positivo –, a resposta deve ser novos investimentos, que devem ser feitos para acompanhar esse crescimento.

Isso acontece desde o início da história da internet; o volume trafegado sempre irá crescer. O problema é que as operadoras, que seguem tendo altíssimos lucros, não querem se responsabilizar pelos custos da expansão da rede que elas próprias exploram.

Querem que alguém pague pelo seu desenvolvimento – no caso, o lado mais fraco da corrente, o usuário brasileiro, que já é obrigado a arcar com um dos mais altos custos de acesso à rede do mundo.

Em seu discurso para justificar a mudança nos contratos, as empresas tentam criar a ilusão de que, com a existência de planos limitados, seria possível oferecer pacotes de conexão mais baratos para quem usa pouco a rede e planos mais caros por quem joga muito on-line ou assiste a muitos filmes.

Mas isso não passa de conversa de vendedor, que quer abrir a porta para um modelo onde todos vão acabar pagando mais e onde as infinitas possibilidades da internet acabarão exclusivas para os usuários mais abastados.

Além de injusta, limitação é ilegal

Assim como a quebra da neutralidade de rede, a limitação da franquia na internet é ilegal no Brasil. O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, proíbe que um serviço essencial seja interrompido (ou degradado a ponto de ficar inviável) por qualquer outro motivo que não o da falta do pagamento.

Isso vale para o fornecimento de água, eletricidade e também para o acesso à internet, que não podem ser interrompidos se o pagamento estiver em dia. Foi o mesmo Marco Civil da Internet que definiu, na letra da lei, a internet como um serviço essencial para o exercício da cidadania. Quem insiste em não reconhecer sua essencialidade são o Ministério das Comunicações, a Anatel e as operadoras de telecomunicações, numa atitude de franco desrespeito legal.

A realidade é que a ameaça de limitação da internet brasileira é mais um episódio de um complexo cenário de disputas entre os interesses das operadoras e os direitos dos usuários da rede no País.

Um quadro que vem sendo agravado por uma tentativa de acordo criminoso entre as empresas e o poder público, que pode resultar na total privatização do que ainda resta de serviço público neste campo. Algo que vai na contramão do interesse público e que atropela a lei vigente, nos tornando ainda mais vulneráveis à sanha das empresas campeãs em reclamações.

Não apenas a forma como você usa a internet está em jogo, portanto, mas todo e qualquer direito dos cidadãos acerca dos serviços de telecomunicações. Silenciar neste momento pode nos levar a um caminho sem volta.

Carta Capital

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